CONVITE
Nos reunimos para praticar o Zen no Parque Lage, Jardim Botanico, aqui no Rio de Janeiro.
O encontro terá Zazen (meditaçao formal sentada), Kinhin (meditação em movimento), Zazen (meditação formal sentada), recitação de Sutras (discursos de Budha) e palestra do Dharma (Dharma - lei, conjunto filosófico).
O encontro é aberto a todos e inteiramente gratuito.
O próximo encontro no mês de Outubro será dia 24.
Estaremos esperando até as 10:10 na entrada do parque, depois nos encaminharemos para o local escolhido.
Tragam suas almofadas de meditação e uma toalha para se sentar com conforto.
O tema deste Mês será a Continuação "Felicidade sob a ótica budista".
Maiores informações pelo meu e-mail getuliotaigen@hotmail.com
Outras informações:
http://www.taigenkaratebudo.com.br/
http://www.taigen.com.br/
http://www.wix.com/juliolavrador/taigen
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terça-feira, 19 de outubro de 2010
SOBRE A NECESSIDADE DE SE SABER O QUE É O ZEN
SOBRE A NECESSIDADE DE SE SABER O QUE É O ZEN
(Publicado: 15/03/2006 - Por: Getulio Taigen)
Muito se fala em Zen, mas afinal o que é o Zen? Aqui postarei um breve ensaio sobre essa manifestação genuinamente japonesa.
Um monge perguntou:
“— Qual é o significado do Zen?”
O mestre respondeu:
“— Você já tomou o seu café da manhã?”.
Disse o monge:
“— Sim.”
Responde o mestre:
“— Então vá lavar a sua tigela.”
O Zen é uma das mais fecundas e originais tradições espirituais da Humanidade. O Zen, como “ramo” do Budismo, nasce no seio da cultura indiana, no século VI a.C., no momento em que se dá a iluminação de Sidharta Gautama, o Buda Shakyamuni, sob a copa da árvore Bodi. Mas, até sua conformação atual — com ênfase na prática do Zazen (meditação da percepção consciente), estudo do Koan (perguntas que só podem ser respondidas sem o uso do intelecto) e realização do Satori (iluminação) — percorreu-se um longo caminho, desde a Índia, passando pela China, até sua chegada ao Japão e, posteriormente, ao Ocidente.
Mas, afinal, o que é o Zen?
Formular esta pergunta instaura uma dificuldade virtualmente intransponível: o anseio por descrever o Zen, o qual, em essência, não pode ser definido. Parece evidente ser a linguagem o meio pelo qual as idéias são formuladas e comunicadas, mas o Zen adverte não ser possível apenas confiar nas idéias e palavras. Em última análise, a prática Zen destina-se a proporcionar uma experiência direta do real, não intermediada pelas palavras — estas últimas pertencentes ao âmbito da realidade.
Ciente destes obstáculos, tentarei, ainda assim, explicar o que é o Zen, postulando-se uma breve apresentação do Zen, com enfoque, principalmente, nas suas origens, natureza e prática, chegando-se a sua caracterização enquanto lídima afirmação de vida.
Do ponto de vista histórico, o Budismo se inicia com a vida do príncipe Sidharta Gautama. Após anos de existência feliz, nos quais foi protegido, por seu pai Suddhodana, do "deserto do real": dores, doenças, sofrimentos e morte, começou a se sentir inquieto com seus dias e noites, experimentando uma insatisfação que não era capaz de explicar ou de identificar a origem. Optou por abandonar o palácio, secretamente, deparando-se, a seguir, com toda a sorte de misérias e padecimentos, o que aumentou sua angústia. Tornou-se, então, um mendigo errante, renunciando ao cálido regato do lar, deixou sua mulher e seu filho no castelo e à fortuna de seu pai.
Sidharta passou cerca de cinco anos como um asceta, jejuando e mortificando-se na busca pela Verdade. Após muitas provas e privações, chegou à conclusão de que havia perdido tempo em tais práticas. Acossado, ainda, por terríveis dúvidas, o príncipe indiano resolveu que se sentaria debaixo de uma árvore, e dali somente se levantaria após a plena satisfação de suas indagações.
A noite caiu sobre a terra, trazendo as estrelas e a madrugada, sem que nada houvesse ocorrido. Sem embargo, com o irromper da alvorada e a chegada da estrela da manhã, Sidharta, ao mirar esta última, compreendeu, subitamente, que sempre tivera em si a resposta para suas angústias; vida e morte, sofrimento e dor, eram fenômenos transitórios, efêmeros. Houve a Iluminação: morria o príncipe e nascia o iluminado Buda Shakyamuni.
Um dos pontos significativos do despertar de Shakyamuni foi a compreensão de que a impermanência faz com que o homem sinta a vida como um padecimento (esta é a Primeira Nobre Verdade), algo peculiar a todos os humanos capazes de refletir sobre sua condição. Tal foi o ensinamento dado por Buda à mulher que, trazendo seu filho morto nos braços, chorava e se lamuriava pela crueza da própria sorte. Ao ouvir suas queixas, O Desperto prometeu ajudá-la, desde que ela trouxesse uma semente de mostarda obtida em uma casa na qual jamais tivesse havido sofrimento. Após inúmeras e frustradas tentativas, a mulher retorna a Buda, sem a semente, para deste ouvir o seguinte:
Minha irmã, você descobriu
Procurando aquilo que ninguém acha, o bálsamo amargo que eu tinha que lhe dar. Aquele que você amou caiu morto no seu peito ontem; hoje você sabe que o mundo inteiro chora com a tristeza da morte.
Após a Iluminação, Buda Shakyamuni passou a ensinar o Dharma (doutrina budista), perpetuado através de 28 gerações até Bodhidharma, que chegou à China em 520 d.C, fundando a escola Ch’an e tornando-se o primeiro Patriarca do Zen.
A chegada de Bodhidharma às terras chinesas deu-se em um momento no qual já haviam escolas budistas naquele país. O indiano foi saudado como um Sábio por diferentes autoridades, como o Imperador Wu, durante recepção em seu palácio. Conta-se que, durante uma entrevista, o Imperador teria perguntado a Bodhidharma:
“Tenho construído muitos templos, copiado inúmeros Sutras (escrituras budistas) e ordenado muitos monges, desde que me tornei Imperador. Portanto, pergunto-lhe: qual é o meu mérito?”
“Nenhum!”, respondeu Bodhidharma. O Imperador insistiu: “Por que não tenho mérito?”
Bodhidharma replicou: “Fazer as coisas para obter mérito tem um motivo impuro e só revelará o fruto mesquinho do sofrimento.”
O Imperador, um tanto aborrecido, então perguntou:
Qual é o princípio mais importante do Budismo?”
Ao que Bodhidharma respondeu: “Um grande e vasto vazio. Nada sagrado.”
O Imperador, agora confuso e bastante indignado, inquiriu:
“Quem é este que está diante de mim?”
Bodhidharma falou: “Não faço a menor idéia.”
As interseções estabelecidas entre o Budismo hindu e o pensamento chinês, sobretudo o Taoísmo, foram bastante fecundas, permitindo o "nascimento" do Zen, o qual tem como "marca" a recuperação da simplicidade originária dos ensinamentos de Shakyamuni, em oposição à eloqüência típica adquirida pelo Budismo na Índia.
O treinamento forjado por Bodhidharma foi difundido por várias gerações subseqüentes, produzindo grandes mestres Zen, como Sengstan (Terceiro Patriarca), Hung-Jen (Quinto Patriarca), Hui-Neng (Sexto Patriarca), Joshu e Nansen.
A passagem do Ch’an ao Japão se deu nos princípios do segundo milênio d.C., a partir das duas principais escolas subsistentes na China: uma que traçou sua linhagem de Hui-Neng, o Sexto Patriarca, até Lin-Chi e outra conhecida como Escola de Ts’ao-tung. Passam a ser conhecidas, no Japão, como Rinzai e Soto, respectivamente, tendo sido introduzidas por Eisai (1141-1215, a Rinzai Zen) e Eihei Dogen Kigen (1200-1253, a Soto Zen).
O Rinzai Zen utiliza o koan, palavra ou frase destituída de sentido, em termos lógicos, de modo bastante fecundo, para deflagrar a interrupção do fluxo corriqueiro do pensamento, com vistas à elevação da mente do aluno para além da dualidade. Os koans são produzidos para impedir os acessos à racionalização, podendo-se citar como exemplos:
“Qual é o significado da vida em face da doença, velhice e morte inevitáveis?”
“Duas mãos produzem um ruído de palmas. Qual será o ruído produzido por uma mão?”
“Qual era sua Face Original antes de seus pais nascerem?”
“Do topo de um mastro de 35 metros de altura, como você dá um passo para frente?”
A escola Zen Rinzai tornou-se bastante difundida entre os samurais, chegando a se constituir em um sistema nativo do “Guerreiro Zen”.
Em relação a escola Zen Soto, este concede ênfase ao zazen, a meditação sentada, dentro de uma perspectiva de que todos são essencialmente Budas, desde o início da prática. Neste âmbito, deve-se adotar uma atitude de não-busca como diretriz para a prática do Zen, na medida em que o sentar, aqui e agora, é já uma realização da Iluminação. Ao contrário do ocorrido com o Rinzai, o Soto não se envolveu nas questões políticas nos anos seguintes ao seu nascimento, o que se deve, em grande medida, à postura adotada por Dogen.
Uma “síntese” destas escolas foi encetada, ulteriormente, por Daiun Sogeku Harada (1872-1963), oriundo da tradição Soto e que recebeu treinamento Rinzai com o mestre Dokutan. Seu discípulo, Yasutani, teve profunda influência no desenvolvimento do Zen no Ocidente, o qual é marcado, em muitos dos seus núcleos, pela utilização de ambos os métodos de ensino.
A introdução do Zen na Europa e na América ocorreu a partir do final do século XIX e início do século XX, especialmente a partir dos trabalhos do Prof. Daisetz T. Suzuki. Seguiram-se, ao consagrado autor, os trabalhos de Alan Watts, Christmas Humphryes e Philip Kapleau, os quais contribuíram para uma difusão maior do Zen no âmago da Cultura Ocidental.
A despeito da permeabilidade européia e americana ao Zen, a integração desta tradição ao modo de vida do Oeste não tem sido simples de ser alcançada. De fato, o dilema vivido pelo “Zen ocidental” tem origem na profunda intelectualização e na lógica, encarnadas, ao longo dos mais de três mil anos de História, desde o alvorecer da cultura grega. Neste aspecto, as palavras de C. Humphreys são bastante ilustrativas:
[...] o budismo do Ocidente diferirá ainda mais do oriental do que diferem entre si, por exemplo, o budismo cingalês e o tibetano. O enfoque oriental da Verdade é, conforme prova Lily Abegg em The Mind of East Asia, total e intuitivo; o do Ocidente é analítico, sintético e acima de tudo intelectual. O seu ponto de partida é o pretensioso enfoque “científico” dos fenômenos, quer objetivos, quer mentais. Caminha-se do particular para o geral, da matéria visível para a hipótese intelectual; acredita-se em não acreditar até que seja necessário. Segue-se que um budismo ocidental bem definido tem que surgir na ocasião oportuna, não deixando de ser budismo autêntico apenas por ser ocidental. O mesmo pode se dizer do Zen. O objetivo do Zen-budismo é o enfoque direto da Não-dualidade e nada menos que isso. Tudo o mais é secundário, inclusive a moralidade, a doutrina e o ritual de todo e qualquer tipo. O Zen-budismo nasceu na China, passou depois para o Japão e hoje em dia é associado à cultura entre as pessoas mais cultas. Presentemente os japoneses oferecem ao Ocidente a história, a doutrina, a teoria e a prática do Zen na vida cotidiana, bem como o relato dos seus sucessos. [Mas] será o Zen tão intelectualizado no Ocidente, não apenas em termos de enfoque, como também ao ser achada a coisa, que por esplêndido que seja não chegará a ser Zen?
O Zen, como escola budista, inscreve-se no coração dos ensinamentos de Shakyamuni, reconhecendo os Três Tesouros, aceitando as Quatro Nobres Verdades, também chamadas de Quatro Verdades Maravilhosas e seguindo o Nobre Caminho Óctuplo.
As Três Jóias são o abrigo do homem pela jornada da existência:
Eu me refugio no Buda, aquele que me mostra o caminho nesta vida.
Eu me refugio no Dharma, o caminho da compreensão.
Eu me refugio na Sangha, A comunidade que vive com consciência e harmonia.
As Quatro Nobres verdades são:
Primeira Nobre Verdade – o sofrimento: vida é sentida como padecimento, em conseqüência de sua impermanência.
Segunda Nobre Verdade – as causas (ou origens) do sofrimento: o desejo de que a vida seja diferente.
Terceira Nobre Verdade – a cessação da produção de sofrimento: evitar o desejo possibilita deixar de padecer.
Quarta Nobre Verdade – a vereda para alcançar a suspensão do sofrimento: deixar de desejar pressupõe que se siga o Nobre Caminho Óctuplo.
O Nobre Caminho Óctuplo recomenda que se observe e pratique:
A compreensão correta, antes de mais nada um profundo entendimento das Quatro Nobres Verdades, o sofrimento, sua origem, a possibilidade e o caminho de transformação, possibilitando que se desenvolva, a seguir, o pensamento correto, aquele que faz com que se possa enxergar as coisas como elas são, pressuposto para que se articule o discurso correto, o qual inclui (1) falar sempre a verdade, (2) não falar deliberadamente de forma contraditória, (3) não falar com crueldade e (4) não exagerar nem retocar os fatos; tais pressupostos, uma vez seguidos, desencadeiam a ação correta, aquela que é capaz de produzir o menor sofrimento possível, enraizada na prática diuturna da não-violência e alimentada pela alegria, facultando que se adote, O meio de vida correto, uma representação do Karma coletivo, que passa pelo reconhecimento de que as disposições e ações de uma pessoa afetam todos os seres vivos, ou seja, a compreensão da interdependência de todas as coisas, capaz de desabrochar em o esforço correto, que integra a adoção de formações mentais saudáveis e a prática de viver consciente de modo alegre e prazeiroso, levando a atenção correta, o constante lembrar de voltar ao presente, estando em íntimo contato com o mundo da vida, o verde das montanhas, o sabor do mel, o odor das flores, a suavidade da brisa, o marulhar das ondas, passo decisivo para se atingir, a concentração correta, o amplo e irrestrito cultivo de uma vida em atenção plena, genuíno reconhecimento da verdadeira morada da mente.
Tal é o caminho. Mas não se pode olvidar, entretanto, que este, sem caminhante, seja simplesmente estéril, como ilustrado por Shizuteru Ueda:
[...] Um caminho é realmente um caminho somente para quem o percorre. Este caminho do eu é importante apenas para quem há sofrido em seu ego encerrado em si e a despeito de todos os esforços não há logrado libertar-se de seu “eu sem eu”.
Ambos — caminho e caminhante —, na prática do Zen, bem como na prática do Karate, devem se tornar um e o mesmo, desaparecendo enquanto dualidade. A Três Jóias, As Quatro Nobres Verdades, e o Caminho Óctuplo são formas para se caracterizar a Verdade mais pura do Zen, mas não algo que possa ser memorizado ou elaborado de forma meramente intelectual; tampouco, devem ser motivo de apego, como bem caracterizado por D. T. Suzuki, ao narrar a história da conferência entre Doko (Tao-kwang), filósofo budista e estudioso do Vijnaptimatra (idealismo absoluto), e um mestre Zen:
“— Com que enquadramento mental deve o indivíduo disciplinar-se para alcançar a verdade?”
Respondeu o mestre Zen: “— Não há uma mente a ser disciplinada, nem verdade na qual nos disciplinemos”.
“— Se não há nenhuma mente a ser enquadrada e nenhuma verdade na qual nos disciplinemos, por que diariamente vos reunis aos monges? Se não tenho língua, como será possível aconselhar os outros a virem até a mim?”
O mestre replicou: “— Eu não possuo nem uma polegada de espaço para ceder, portanto onde posso conseguir uma reunião de monges? Não possuo língua, como podeis aconselhar os outros a virem a mim?”
O filósofo então exclamou: “— Como podereis proferir uma mentira dessas em minha cara?”
“Se não tenho língua para aconselhar os outros como é possível pregar uma mentira?”
Desesperado, disse Doko: “— Não posso seguir o vosso raciocínio”.
“Nem eu mesmo compreendo”, concluiu o mestre Zen, rindo ruidosamente.
Este diálogo aparente ilógico, na verdade o Zen está para além da lógica usual, expressa a postura Zen de não se prestar atenção às representações (geralmente preconcebidas e deformadas), mas sim às coisas mesmas, de forma simples, original e livre. Tal compreensão pura e diáfana de que as montanhas são simplesmente azuis, representa a aquisição de um novo ponto de vista, o Satori (Iluminação)caracterizado por D. T. Suzuki como “um olhar intuitivo no âmago das coisas”.
O Satori (a Iluminação) é algo verdadeiramente para além das palavras. Mas, alguns mestres Zen, embebidos em profunda sabedoria, são capazes de verter, na linguagem, as imagens de compreensão da Natureza Essencial:
Iluminação significa ver através da sua própria natureza essencial e isto, ao mesmo tempo, significa ver através da natureza essencial do cosmo e de todas as coisas. Pois, ver através da natureza essencial é a janela da iluminação. Podemos chamar a natureza essencial de verdade, se assim quisermos. No Budismo dos tempos antigos, foi chamada de talidade, ou natureza de Buda ou a mente. No Zen, tem sido chamada de não-existência, a mão, a face original de alguém. As designações podem ser diferentes, mas o conteúdo é absolutamente o mesmo.
Como visto, a ‘meta’ do Zen é a realização da Iluminação, a visão das coisas mesmas, como elas são, de modo pleno e profundo. Mas, como já mencionado, para que haja Satori é necessário muito mais do que o estudo aprofundado dos textos do Cânone Budista e de sua exegese: é preciso praticar, é preciso expressar o Zen, manifestando-se em si a mais íntima natureza búdica.
Em essência, a prática do Zen pode ser definida de várias maneiras, apenas senta, como caracterizado pela Escola Soto, ou pela expressão pura e despojada das artes marcias, treinadas sem objetivo, que não o de apenas treinar. Assim, apenas sentar-se em Zazen deve se constituir no dia-a-dia do zen-budista, de tal maneira que o treinar deva ser o dia-a-dia do praticante de karate.
Em relação ao Zazen, é importante ter um adequado lugar para sentar, um horário e uma adequada postura, nos seguintes termos:
Onde sentar?
Em um lugar tranqüilo, sempre que possível o mesmo, para que o hábito possa facilitar a realização de zazen, com temperatura amena e luminosidade satisfatória (nem demasiado claro, mas tampouco escuro). Pode-se montar um pequeno altar e colocar um vaso de flores e uma figura ou imagem, de Buda, por exemplo, e acender um incenso a cada vez em que se for praticar, ainda que estes detalhes sejam dispensáveis.
Quando sentar?
Quando sentar en Zen (Zazen)?
O ideal é que o zazen seja realizado sempre em um mesmo horário, preferencialmente pela manhã, ao meio-dia ou ao deitar. O número de sessões vai depender da disponibilidade e do treinamento do praticante, bem como da duração do zazen (recomenda-se que, no princípio, ele transcorra por 10 a 15 minutos, chegando-se, tão logo seja possível, a 30 minutos).
Como se sentar em Zen (zazen)?
Diferentes são as posturas que podem ser adotadas, (1) sentado em um banco ou em uma cadeira, (2) posição de seiza, (3) posição birmanesa, (4) meio-lótus e (5) lótus completo, mas em todas, o importante é manter o corpo perfeitamente ereto, estando o centro da testa, o nariz, o queixo, a garganta e o umbigo em perfeito alinhamento. O ideal é que o peso do corpo, durante o zazen, possa estar dirigido ao baixo ventre, área que deverá ser o foco da respiração e da concentração em todo o processo. Deve-se se sentar, preferencialmente, sobre o zafu (almofada redonda de meditação), em frente a uma parede vazia, mantendo os olhos semi-cerrados (aproximadamente em 45 graus) e o centro do olhar para cerca de um metro e meio de vc. As mãos devem ser colocadas na posição de mudra cósmico (a mão esquerda sobre direita, as palmas voltadas para cima, com os polegares se tocando de modo a formar uma linha paralela com os demais dedos) e a língua tocando o palato superior (início dos dentes de cima).
O que fazer ao se sentar em Zen (Zazen)?
Contar a respiração. Inicialmente a inspiração e a expiração (um para a “inspiração”, dois para a “expiração”, três para a “inspiração”, e assim sucessivamente), até dez, reiniciando o ciclo a cada vez. Se durante a contagem houver distração com algum(ns) pensamento(s), reinicie a contagem novamente do um. Pensamentos surgirão, incômodos igualmente (dormências, dores musculares, e outros), mas deve-se tentar apenas observá-los, sem procurar controlá-los ou julgá-los.
Durante o zazen costumam ser intensas as sensações e vivências, como explanado pela minha professora do Zen - Monja Coen:
Tendo assim assentado corpo e mente perceba sua respiração. Sinta se está sendo abdominal (ao inalar o abdômen se expande ao exalar se contrai) ou torácica (a caixa torácica se expande e se contrai). Perceba seus batimentos cardíacos. Ouça todos os sons, próximos e distantes. Sinta as fragrâncias da sala, do local (pode ser ao ar livre). Perceba o ar, sua textura, sua temperatura. A luz e a sombra que se formam onde seus olhos estão pousados são também percebidas. Verifique sua postura, a posição das mãos, da coluna, da língua e oxigene áreas de tensão. Perceba seus pensamentos. Como se formam, como desaparecem. Veja se pensa em formas, palavras, música, cores, imagens. Qualquer emoção que surja deve ser notada. Assim como seu término. O mesmo para memórias. Entretanto não fique pensando apenas, nem apenas percebendo, pois isto ainda está no plano da dualidade. Torne-se um com o uno sendo a respiração, a postura correta e a vida do universo em constante fluir.
costuma emergir nos principiantes. Nestes termos, torna-se fundamental a busca de instrução com um mestre ou professor do Zen, o qual fornecerá preciosas indicações sobre o zazen e os demais aspectos genuínos para uma vida plenamente Zen.
Os caminhos do Zazen (meditação da percepção consciente, meditação Zen)
Praticar o Zen é tornar-se íntimo da Natureza Essencial, a qual inclui, sem se opor, o ego, convergência de pensamentos, desejos e impressões, ponto cego, adimensional, com o qual o homem se identifica. Não faz parte do Zen a busca pela “extirpação” do ego, (a)dimensão importante no relacionamento com o mundo, mas sim a compreensão profunda de que ele é apenas um aspecto da consciência.
O ego, manifesto em uma torrente de pensamentos, não é a fronteira última do ser, sendo transcendido e compreendido no momento em que há Iluminação, a partir da vivência do Vazio:
Este espaço, também chamado “vazio” (Kara em japones e Shunyata em Pali, não é um mero vácuo, mas é real, pleno e existente. É a fonte da qual todas as coisas emanam e para qual retornam. Não pode ser visto, tocado ou conhecido e, no entanto, existe como “Eu” e está sendo livremente usado por cada um de nós, a cada momento das 24 horas do dia. Não tem contornos, nem tamanho, nem cor, nem forma e, entretanto, tudo que vemos, ouvimos e tocamos é “ele”.
Está além do nosso conhecimento intelectual e nunca será realizado pela mente racional.
Em outras palavras, está absolutamente fora do nosso alcance. Quando somos subitamente acordados e compreendemos claramente que não existem nem nunca existiram barreiras, compreendemos que somos todos uma coisa só: montanhas, lua, estrelas, universo, somos todos o si mesmo. Não existe uma divisão ou barreira entre o si mesmo e os outros, não há mais quaisquer sentimentos de alienação, medo, ciúme ou ódio pelos outros, pois já se sabe e está comprovada a evidente realidade de que não existe nada separado do si mesmo e, portanto, nada a temer. Esta compreensão naturalmente resulta na “verdadeira compaixão”. As pessoas e coisas não são mais vistas como separadas, mas como o próprio corpo.
Após está breve exposição, podem restar grandes dúvidas sobre a possibilidade de se manifestar plenamente, em pensamentos, palavras e ações, uma vida Zen. Na verdade, o “aparente”, e ilusório, niilismo do Zen refere-se mais a tentativa de compreensão intelectual de sua Verdade, do que a sua inscrição na tessitura geral da vida.
As dificuldades se tornam extremas, na medida em que se pretende o encarceramento da maravilhosa explosão de cores e fragrâncias intrínsecas à existência, a um ‘amontoado’ de sentenças subservientes ao dualismo lógico característico do intelecto. Assim, em um primeiro momento, o poema de Shan-hui (497-469) é capaz de soar como um imenso absurdo:
Observai a pá nas minhas mãos vazias;
Enquanto montado num touro vou andando a pé.
Quando passo sobre a ponte não é a água que corre, e sim a ponte.
Mas, uma apreciação austera deste, e de outros, irracionalismos, é capaz de conduzir à descoberta de um ponto de vista inteiramente díspar, que se inscreve em uma veemente afirmação da vida tal qual esta se apresenta, em sua beleza e plenitude, como tão belamente expresso por C.Humphreys:
Seja onde for que more o estudante do Zen, seu objetivo na vida é intensificar a qualidade de viver, tão diferente de seu sistema devida, quão diferente é sua riqueza espiritual da riqueza material. Ele viverá de maneira simples, porque não existe atração pelas complexidades da vida. Será pobre, porque suas riquezas não são vistas pelo olho mortal. Será alegre, porque a alegria que é o coração do Zen nunca pode ser escondida e, como o perfume da rosa, viajará longe, carregado pela brisa do dia claro ou da noite escura.
Enxergar, ver, é manifestar a sabedoria, em dias e noites, sob a copa das árvores ou liberto nas gotas de chuva, e reconhecer a inseparabilidade de todas as coisas, interdependentes, compreensão seminal à manifestação de uma existência plena em compaixão.
(Publicado: 15/03/2006 - Por: Getulio Taigen)
Muito se fala em Zen, mas afinal o que é o Zen? Aqui postarei um breve ensaio sobre essa manifestação genuinamente japonesa.
Um monge perguntou:
“— Qual é o significado do Zen?”
O mestre respondeu:
“— Você já tomou o seu café da manhã?”.
Disse o monge:
“— Sim.”
Responde o mestre:
“— Então vá lavar a sua tigela.”
O Zen é uma das mais fecundas e originais tradições espirituais da Humanidade. O Zen, como “ramo” do Budismo, nasce no seio da cultura indiana, no século VI a.C., no momento em que se dá a iluminação de Sidharta Gautama, o Buda Shakyamuni, sob a copa da árvore Bodi. Mas, até sua conformação atual — com ênfase na prática do Zazen (meditação da percepção consciente), estudo do Koan (perguntas que só podem ser respondidas sem o uso do intelecto) e realização do Satori (iluminação) — percorreu-se um longo caminho, desde a Índia, passando pela China, até sua chegada ao Japão e, posteriormente, ao Ocidente.
Mas, afinal, o que é o Zen?
Formular esta pergunta instaura uma dificuldade virtualmente intransponível: o anseio por descrever o Zen, o qual, em essência, não pode ser definido. Parece evidente ser a linguagem o meio pelo qual as idéias são formuladas e comunicadas, mas o Zen adverte não ser possível apenas confiar nas idéias e palavras. Em última análise, a prática Zen destina-se a proporcionar uma experiência direta do real, não intermediada pelas palavras — estas últimas pertencentes ao âmbito da realidade.
Ciente destes obstáculos, tentarei, ainda assim, explicar o que é o Zen, postulando-se uma breve apresentação do Zen, com enfoque, principalmente, nas suas origens, natureza e prática, chegando-se a sua caracterização enquanto lídima afirmação de vida.
Do ponto de vista histórico, o Budismo se inicia com a vida do príncipe Sidharta Gautama. Após anos de existência feliz, nos quais foi protegido, por seu pai Suddhodana, do "deserto do real": dores, doenças, sofrimentos e morte, começou a se sentir inquieto com seus dias e noites, experimentando uma insatisfação que não era capaz de explicar ou de identificar a origem. Optou por abandonar o palácio, secretamente, deparando-se, a seguir, com toda a sorte de misérias e padecimentos, o que aumentou sua angústia. Tornou-se, então, um mendigo errante, renunciando ao cálido regato do lar, deixou sua mulher e seu filho no castelo e à fortuna de seu pai.
Sidharta passou cerca de cinco anos como um asceta, jejuando e mortificando-se na busca pela Verdade. Após muitas provas e privações, chegou à conclusão de que havia perdido tempo em tais práticas. Acossado, ainda, por terríveis dúvidas, o príncipe indiano resolveu que se sentaria debaixo de uma árvore, e dali somente se levantaria após a plena satisfação de suas indagações.
A noite caiu sobre a terra, trazendo as estrelas e a madrugada, sem que nada houvesse ocorrido. Sem embargo, com o irromper da alvorada e a chegada da estrela da manhã, Sidharta, ao mirar esta última, compreendeu, subitamente, que sempre tivera em si a resposta para suas angústias; vida e morte, sofrimento e dor, eram fenômenos transitórios, efêmeros. Houve a Iluminação: morria o príncipe e nascia o iluminado Buda Shakyamuni.
Um dos pontos significativos do despertar de Shakyamuni foi a compreensão de que a impermanência faz com que o homem sinta a vida como um padecimento (esta é a Primeira Nobre Verdade), algo peculiar a todos os humanos capazes de refletir sobre sua condição. Tal foi o ensinamento dado por Buda à mulher que, trazendo seu filho morto nos braços, chorava e se lamuriava pela crueza da própria sorte. Ao ouvir suas queixas, O Desperto prometeu ajudá-la, desde que ela trouxesse uma semente de mostarda obtida em uma casa na qual jamais tivesse havido sofrimento. Após inúmeras e frustradas tentativas, a mulher retorna a Buda, sem a semente, para deste ouvir o seguinte:
Minha irmã, você descobriu
Procurando aquilo que ninguém acha, o bálsamo amargo que eu tinha que lhe dar. Aquele que você amou caiu morto no seu peito ontem; hoje você sabe que o mundo inteiro chora com a tristeza da morte.
Após a Iluminação, Buda Shakyamuni passou a ensinar o Dharma (doutrina budista), perpetuado através de 28 gerações até Bodhidharma, que chegou à China em 520 d.C, fundando a escola Ch’an e tornando-se o primeiro Patriarca do Zen.
A chegada de Bodhidharma às terras chinesas deu-se em um momento no qual já haviam escolas budistas naquele país. O indiano foi saudado como um Sábio por diferentes autoridades, como o Imperador Wu, durante recepção em seu palácio. Conta-se que, durante uma entrevista, o Imperador teria perguntado a Bodhidharma:
“Tenho construído muitos templos, copiado inúmeros Sutras (escrituras budistas) e ordenado muitos monges, desde que me tornei Imperador. Portanto, pergunto-lhe: qual é o meu mérito?”
“Nenhum!”, respondeu Bodhidharma. O Imperador insistiu: “Por que não tenho mérito?”
Bodhidharma replicou: “Fazer as coisas para obter mérito tem um motivo impuro e só revelará o fruto mesquinho do sofrimento.”
O Imperador, um tanto aborrecido, então perguntou:
Qual é o princípio mais importante do Budismo?”
Ao que Bodhidharma respondeu: “Um grande e vasto vazio. Nada sagrado.”
O Imperador, agora confuso e bastante indignado, inquiriu:
“Quem é este que está diante de mim?”
Bodhidharma falou: “Não faço a menor idéia.”
As interseções estabelecidas entre o Budismo hindu e o pensamento chinês, sobretudo o Taoísmo, foram bastante fecundas, permitindo o "nascimento" do Zen, o qual tem como "marca" a recuperação da simplicidade originária dos ensinamentos de Shakyamuni, em oposição à eloqüência típica adquirida pelo Budismo na Índia.
O treinamento forjado por Bodhidharma foi difundido por várias gerações subseqüentes, produzindo grandes mestres Zen, como Sengstan (Terceiro Patriarca), Hung-Jen (Quinto Patriarca), Hui-Neng (Sexto Patriarca), Joshu e Nansen.
A passagem do Ch’an ao Japão se deu nos princípios do segundo milênio d.C., a partir das duas principais escolas subsistentes na China: uma que traçou sua linhagem de Hui-Neng, o Sexto Patriarca, até Lin-Chi e outra conhecida como Escola de Ts’ao-tung. Passam a ser conhecidas, no Japão, como Rinzai e Soto, respectivamente, tendo sido introduzidas por Eisai (1141-1215, a Rinzai Zen) e Eihei Dogen Kigen (1200-1253, a Soto Zen).
O Rinzai Zen utiliza o koan, palavra ou frase destituída de sentido, em termos lógicos, de modo bastante fecundo, para deflagrar a interrupção do fluxo corriqueiro do pensamento, com vistas à elevação da mente do aluno para além da dualidade. Os koans são produzidos para impedir os acessos à racionalização, podendo-se citar como exemplos:
“Qual é o significado da vida em face da doença, velhice e morte inevitáveis?”
“Duas mãos produzem um ruído de palmas. Qual será o ruído produzido por uma mão?”
“Qual era sua Face Original antes de seus pais nascerem?”
“Do topo de um mastro de 35 metros de altura, como você dá um passo para frente?”
A escola Zen Rinzai tornou-se bastante difundida entre os samurais, chegando a se constituir em um sistema nativo do “Guerreiro Zen”.
Em relação a escola Zen Soto, este concede ênfase ao zazen, a meditação sentada, dentro de uma perspectiva de que todos são essencialmente Budas, desde o início da prática. Neste âmbito, deve-se adotar uma atitude de não-busca como diretriz para a prática do Zen, na medida em que o sentar, aqui e agora, é já uma realização da Iluminação. Ao contrário do ocorrido com o Rinzai, o Soto não se envolveu nas questões políticas nos anos seguintes ao seu nascimento, o que se deve, em grande medida, à postura adotada por Dogen.
Uma “síntese” destas escolas foi encetada, ulteriormente, por Daiun Sogeku Harada (1872-1963), oriundo da tradição Soto e que recebeu treinamento Rinzai com o mestre Dokutan. Seu discípulo, Yasutani, teve profunda influência no desenvolvimento do Zen no Ocidente, o qual é marcado, em muitos dos seus núcleos, pela utilização de ambos os métodos de ensino.
A introdução do Zen na Europa e na América ocorreu a partir do final do século XIX e início do século XX, especialmente a partir dos trabalhos do Prof. Daisetz T. Suzuki. Seguiram-se, ao consagrado autor, os trabalhos de Alan Watts, Christmas Humphryes e Philip Kapleau, os quais contribuíram para uma difusão maior do Zen no âmago da Cultura Ocidental.
A despeito da permeabilidade européia e americana ao Zen, a integração desta tradição ao modo de vida do Oeste não tem sido simples de ser alcançada. De fato, o dilema vivido pelo “Zen ocidental” tem origem na profunda intelectualização e na lógica, encarnadas, ao longo dos mais de três mil anos de História, desde o alvorecer da cultura grega. Neste aspecto, as palavras de C. Humphreys são bastante ilustrativas:
[...] o budismo do Ocidente diferirá ainda mais do oriental do que diferem entre si, por exemplo, o budismo cingalês e o tibetano. O enfoque oriental da Verdade é, conforme prova Lily Abegg em The Mind of East Asia, total e intuitivo; o do Ocidente é analítico, sintético e acima de tudo intelectual. O seu ponto de partida é o pretensioso enfoque “científico” dos fenômenos, quer objetivos, quer mentais. Caminha-se do particular para o geral, da matéria visível para a hipótese intelectual; acredita-se em não acreditar até que seja necessário. Segue-se que um budismo ocidental bem definido tem que surgir na ocasião oportuna, não deixando de ser budismo autêntico apenas por ser ocidental. O mesmo pode se dizer do Zen. O objetivo do Zen-budismo é o enfoque direto da Não-dualidade e nada menos que isso. Tudo o mais é secundário, inclusive a moralidade, a doutrina e o ritual de todo e qualquer tipo. O Zen-budismo nasceu na China, passou depois para o Japão e hoje em dia é associado à cultura entre as pessoas mais cultas. Presentemente os japoneses oferecem ao Ocidente a história, a doutrina, a teoria e a prática do Zen na vida cotidiana, bem como o relato dos seus sucessos. [Mas] será o Zen tão intelectualizado no Ocidente, não apenas em termos de enfoque, como também ao ser achada a coisa, que por esplêndido que seja não chegará a ser Zen?
O Zen, como escola budista, inscreve-se no coração dos ensinamentos de Shakyamuni, reconhecendo os Três Tesouros, aceitando as Quatro Nobres Verdades, também chamadas de Quatro Verdades Maravilhosas e seguindo o Nobre Caminho Óctuplo.
As Três Jóias são o abrigo do homem pela jornada da existência:
Eu me refugio no Buda, aquele que me mostra o caminho nesta vida.
Eu me refugio no Dharma, o caminho da compreensão.
Eu me refugio na Sangha, A comunidade que vive com consciência e harmonia.
As Quatro Nobres verdades são:
Primeira Nobre Verdade – o sofrimento: vida é sentida como padecimento, em conseqüência de sua impermanência.
Segunda Nobre Verdade – as causas (ou origens) do sofrimento: o desejo de que a vida seja diferente.
Terceira Nobre Verdade – a cessação da produção de sofrimento: evitar o desejo possibilita deixar de padecer.
Quarta Nobre Verdade – a vereda para alcançar a suspensão do sofrimento: deixar de desejar pressupõe que se siga o Nobre Caminho Óctuplo.
O Nobre Caminho Óctuplo recomenda que se observe e pratique:
A compreensão correta, antes de mais nada um profundo entendimento das Quatro Nobres Verdades, o sofrimento, sua origem, a possibilidade e o caminho de transformação, possibilitando que se desenvolva, a seguir, o pensamento correto, aquele que faz com que se possa enxergar as coisas como elas são, pressuposto para que se articule o discurso correto, o qual inclui (1) falar sempre a verdade, (2) não falar deliberadamente de forma contraditória, (3) não falar com crueldade e (4) não exagerar nem retocar os fatos; tais pressupostos, uma vez seguidos, desencadeiam a ação correta, aquela que é capaz de produzir o menor sofrimento possível, enraizada na prática diuturna da não-violência e alimentada pela alegria, facultando que se adote, O meio de vida correto, uma representação do Karma coletivo, que passa pelo reconhecimento de que as disposições e ações de uma pessoa afetam todos os seres vivos, ou seja, a compreensão da interdependência de todas as coisas, capaz de desabrochar em o esforço correto, que integra a adoção de formações mentais saudáveis e a prática de viver consciente de modo alegre e prazeiroso, levando a atenção correta, o constante lembrar de voltar ao presente, estando em íntimo contato com o mundo da vida, o verde das montanhas, o sabor do mel, o odor das flores, a suavidade da brisa, o marulhar das ondas, passo decisivo para se atingir, a concentração correta, o amplo e irrestrito cultivo de uma vida em atenção plena, genuíno reconhecimento da verdadeira morada da mente.
Tal é o caminho. Mas não se pode olvidar, entretanto, que este, sem caminhante, seja simplesmente estéril, como ilustrado por Shizuteru Ueda:
[...] Um caminho é realmente um caminho somente para quem o percorre. Este caminho do eu é importante apenas para quem há sofrido em seu ego encerrado em si e a despeito de todos os esforços não há logrado libertar-se de seu “eu sem eu”.
Ambos — caminho e caminhante —, na prática do Zen, bem como na prática do Karate, devem se tornar um e o mesmo, desaparecendo enquanto dualidade. A Três Jóias, As Quatro Nobres Verdades, e o Caminho Óctuplo são formas para se caracterizar a Verdade mais pura do Zen, mas não algo que possa ser memorizado ou elaborado de forma meramente intelectual; tampouco, devem ser motivo de apego, como bem caracterizado por D. T. Suzuki, ao narrar a história da conferência entre Doko (Tao-kwang), filósofo budista e estudioso do Vijnaptimatra (idealismo absoluto), e um mestre Zen:
“— Com que enquadramento mental deve o indivíduo disciplinar-se para alcançar a verdade?”
Respondeu o mestre Zen: “— Não há uma mente a ser disciplinada, nem verdade na qual nos disciplinemos”.
“— Se não há nenhuma mente a ser enquadrada e nenhuma verdade na qual nos disciplinemos, por que diariamente vos reunis aos monges? Se não tenho língua, como será possível aconselhar os outros a virem até a mim?”
O mestre replicou: “— Eu não possuo nem uma polegada de espaço para ceder, portanto onde posso conseguir uma reunião de monges? Não possuo língua, como podeis aconselhar os outros a virem a mim?”
O filósofo então exclamou: “— Como podereis proferir uma mentira dessas em minha cara?”
“Se não tenho língua para aconselhar os outros como é possível pregar uma mentira?”
Desesperado, disse Doko: “— Não posso seguir o vosso raciocínio”.
“Nem eu mesmo compreendo”, concluiu o mestre Zen, rindo ruidosamente.
Este diálogo aparente ilógico, na verdade o Zen está para além da lógica usual, expressa a postura Zen de não se prestar atenção às representações (geralmente preconcebidas e deformadas), mas sim às coisas mesmas, de forma simples, original e livre. Tal compreensão pura e diáfana de que as montanhas são simplesmente azuis, representa a aquisição de um novo ponto de vista, o Satori (Iluminação)caracterizado por D. T. Suzuki como “um olhar intuitivo no âmago das coisas”.
O Satori (a Iluminação) é algo verdadeiramente para além das palavras. Mas, alguns mestres Zen, embebidos em profunda sabedoria, são capazes de verter, na linguagem, as imagens de compreensão da Natureza Essencial:
Iluminação significa ver através da sua própria natureza essencial e isto, ao mesmo tempo, significa ver através da natureza essencial do cosmo e de todas as coisas. Pois, ver através da natureza essencial é a janela da iluminação. Podemos chamar a natureza essencial de verdade, se assim quisermos. No Budismo dos tempos antigos, foi chamada de talidade, ou natureza de Buda ou a mente. No Zen, tem sido chamada de não-existência, a mão, a face original de alguém. As designações podem ser diferentes, mas o conteúdo é absolutamente o mesmo.
Como visto, a ‘meta’ do Zen é a realização da Iluminação, a visão das coisas mesmas, como elas são, de modo pleno e profundo. Mas, como já mencionado, para que haja Satori é necessário muito mais do que o estudo aprofundado dos textos do Cânone Budista e de sua exegese: é preciso praticar, é preciso expressar o Zen, manifestando-se em si a mais íntima natureza búdica.
Em essência, a prática do Zen pode ser definida de várias maneiras, apenas senta, como caracterizado pela Escola Soto, ou pela expressão pura e despojada das artes marcias, treinadas sem objetivo, que não o de apenas treinar. Assim, apenas sentar-se em Zazen deve se constituir no dia-a-dia do zen-budista, de tal maneira que o treinar deva ser o dia-a-dia do praticante de karate.
Em relação ao Zazen, é importante ter um adequado lugar para sentar, um horário e uma adequada postura, nos seguintes termos:
Onde sentar?
Em um lugar tranqüilo, sempre que possível o mesmo, para que o hábito possa facilitar a realização de zazen, com temperatura amena e luminosidade satisfatória (nem demasiado claro, mas tampouco escuro). Pode-se montar um pequeno altar e colocar um vaso de flores e uma figura ou imagem, de Buda, por exemplo, e acender um incenso a cada vez em que se for praticar, ainda que estes detalhes sejam dispensáveis.
Quando sentar?
Quando sentar en Zen (Zazen)?
O ideal é que o zazen seja realizado sempre em um mesmo horário, preferencialmente pela manhã, ao meio-dia ou ao deitar. O número de sessões vai depender da disponibilidade e do treinamento do praticante, bem como da duração do zazen (recomenda-se que, no princípio, ele transcorra por 10 a 15 minutos, chegando-se, tão logo seja possível, a 30 minutos).
Como se sentar em Zen (zazen)?
Diferentes são as posturas que podem ser adotadas, (1) sentado em um banco ou em uma cadeira, (2) posição de seiza, (3) posição birmanesa, (4) meio-lótus e (5) lótus completo, mas em todas, o importante é manter o corpo perfeitamente ereto, estando o centro da testa, o nariz, o queixo, a garganta e o umbigo em perfeito alinhamento. O ideal é que o peso do corpo, durante o zazen, possa estar dirigido ao baixo ventre, área que deverá ser o foco da respiração e da concentração em todo o processo. Deve-se se sentar, preferencialmente, sobre o zafu (almofada redonda de meditação), em frente a uma parede vazia, mantendo os olhos semi-cerrados (aproximadamente em 45 graus) e o centro do olhar para cerca de um metro e meio de vc. As mãos devem ser colocadas na posição de mudra cósmico (a mão esquerda sobre direita, as palmas voltadas para cima, com os polegares se tocando de modo a formar uma linha paralela com os demais dedos) e a língua tocando o palato superior (início dos dentes de cima).
O que fazer ao se sentar em Zen (Zazen)?
Contar a respiração. Inicialmente a inspiração e a expiração (um para a “inspiração”, dois para a “expiração”, três para a “inspiração”, e assim sucessivamente), até dez, reiniciando o ciclo a cada vez. Se durante a contagem houver distração com algum(ns) pensamento(s), reinicie a contagem novamente do um. Pensamentos surgirão, incômodos igualmente (dormências, dores musculares, e outros), mas deve-se tentar apenas observá-los, sem procurar controlá-los ou julgá-los.
Durante o zazen costumam ser intensas as sensações e vivências, como explanado pela minha professora do Zen - Monja Coen:
Tendo assim assentado corpo e mente perceba sua respiração. Sinta se está sendo abdominal (ao inalar o abdômen se expande ao exalar se contrai) ou torácica (a caixa torácica se expande e se contrai). Perceba seus batimentos cardíacos. Ouça todos os sons, próximos e distantes. Sinta as fragrâncias da sala, do local (pode ser ao ar livre). Perceba o ar, sua textura, sua temperatura. A luz e a sombra que se formam onde seus olhos estão pousados são também percebidas. Verifique sua postura, a posição das mãos, da coluna, da língua e oxigene áreas de tensão. Perceba seus pensamentos. Como se formam, como desaparecem. Veja se pensa em formas, palavras, música, cores, imagens. Qualquer emoção que surja deve ser notada. Assim como seu término. O mesmo para memórias. Entretanto não fique pensando apenas, nem apenas percebendo, pois isto ainda está no plano da dualidade. Torne-se um com o uno sendo a respiração, a postura correta e a vida do universo em constante fluir.
costuma emergir nos principiantes. Nestes termos, torna-se fundamental a busca de instrução com um mestre ou professor do Zen, o qual fornecerá preciosas indicações sobre o zazen e os demais aspectos genuínos para uma vida plenamente Zen.
Os caminhos do Zazen (meditação da percepção consciente, meditação Zen)
Praticar o Zen é tornar-se íntimo da Natureza Essencial, a qual inclui, sem se opor, o ego, convergência de pensamentos, desejos e impressões, ponto cego, adimensional, com o qual o homem se identifica. Não faz parte do Zen a busca pela “extirpação” do ego, (a)dimensão importante no relacionamento com o mundo, mas sim a compreensão profunda de que ele é apenas um aspecto da consciência.
O ego, manifesto em uma torrente de pensamentos, não é a fronteira última do ser, sendo transcendido e compreendido no momento em que há Iluminação, a partir da vivência do Vazio:
Este espaço, também chamado “vazio” (Kara em japones e Shunyata em Pali, não é um mero vácuo, mas é real, pleno e existente. É a fonte da qual todas as coisas emanam e para qual retornam. Não pode ser visto, tocado ou conhecido e, no entanto, existe como “Eu” e está sendo livremente usado por cada um de nós, a cada momento das 24 horas do dia. Não tem contornos, nem tamanho, nem cor, nem forma e, entretanto, tudo que vemos, ouvimos e tocamos é “ele”.
Está além do nosso conhecimento intelectual e nunca será realizado pela mente racional.
Em outras palavras, está absolutamente fora do nosso alcance. Quando somos subitamente acordados e compreendemos claramente que não existem nem nunca existiram barreiras, compreendemos que somos todos uma coisa só: montanhas, lua, estrelas, universo, somos todos o si mesmo. Não existe uma divisão ou barreira entre o si mesmo e os outros, não há mais quaisquer sentimentos de alienação, medo, ciúme ou ódio pelos outros, pois já se sabe e está comprovada a evidente realidade de que não existe nada separado do si mesmo e, portanto, nada a temer. Esta compreensão naturalmente resulta na “verdadeira compaixão”. As pessoas e coisas não são mais vistas como separadas, mas como o próprio corpo.
Após está breve exposição, podem restar grandes dúvidas sobre a possibilidade de se manifestar plenamente, em pensamentos, palavras e ações, uma vida Zen. Na verdade, o “aparente”, e ilusório, niilismo do Zen refere-se mais a tentativa de compreensão intelectual de sua Verdade, do que a sua inscrição na tessitura geral da vida.
As dificuldades se tornam extremas, na medida em que se pretende o encarceramento da maravilhosa explosão de cores e fragrâncias intrínsecas à existência, a um ‘amontoado’ de sentenças subservientes ao dualismo lógico característico do intelecto. Assim, em um primeiro momento, o poema de Shan-hui (497-469) é capaz de soar como um imenso absurdo:
Observai a pá nas minhas mãos vazias;
Enquanto montado num touro vou andando a pé.
Quando passo sobre a ponte não é a água que corre, e sim a ponte.
Mas, uma apreciação austera deste, e de outros, irracionalismos, é capaz de conduzir à descoberta de um ponto de vista inteiramente díspar, que se inscreve em uma veemente afirmação da vida tal qual esta se apresenta, em sua beleza e plenitude, como tão belamente expresso por C.Humphreys:
Seja onde for que more o estudante do Zen, seu objetivo na vida é intensificar a qualidade de viver, tão diferente de seu sistema devida, quão diferente é sua riqueza espiritual da riqueza material. Ele viverá de maneira simples, porque não existe atração pelas complexidades da vida. Será pobre, porque suas riquezas não são vistas pelo olho mortal. Será alegre, porque a alegria que é o coração do Zen nunca pode ser escondida e, como o perfume da rosa, viajará longe, carregado pela brisa do dia claro ou da noite escura.
Enxergar, ver, é manifestar a sabedoria, em dias e noites, sob a copa das árvores ou liberto nas gotas de chuva, e reconhecer a inseparabilidade de todas as coisas, interdependentes, compreensão seminal à manifestação de uma existência plena em compaixão.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Profetas e Profecias
Profetas e Profecias
Por Sensei Getulio Taigen
Palestra proferida por Getulio Taigen na PUC durante uma conferência interreligiosa.
Boa tarde a todos.
Eu me chamo Getúlio Taigen. Sou discípulo da Monja Coen - Primaz fundadora da Comunidade Zen Budista - ZendoBrasil e Missionária do Japão para a divulgação do Zen Budismo da Escola Soto no Brasil. Sou o responsável pelo San Zen Dojo é a filial do Rio de Janeiro.
É motivo de grande satisfação o fato de poder estar aqui neste dia fazendo parte dessa mesa tão ilustre, por duas simples razões: a primeira é o privilégio de poder estar sentado ao lado da Monja Coen e a segunda é compartilhar da possibilidade de através de minhas singelas palavras trazer um pouco de alívio e alegria aos que nos ouvem.
Inicialmente para podermos falar de Compaixão, que é a maior tônica do Buda e do Dalai Lama, precisamos compreender um pouco como o Budismo entende as relações entre os seres e os objetos visíveis e não visíveis.
Tudo o que é visto através dos olhos, sentido através do tato, provado através da gustação, escutado através da audição e cheirado através do nariz é, tão logo se estabeleça o contato, rotulado como agradável, desagradável ou indiferente. A isso o Budismo dá o nome de Sensação, sendo considerado como o segundo agregado (o primeiro agregado é a matéria, ou seja, os objetos do mundo exterior). O terceiro agregado são as Percepções, que do mesmo modo que as sensações, são produzidas mediante o contato de nossas faculdades com o mundo exterior. Por essa percepção é que reconhecemos pelo tipo e características, os objetos físicos e mentais. O quarto agregado são as Formações Mentais, que formam os outros elementos condicionando a consciência, é uma condição necessária sem a qual o conhecimento ou consciência não vem à existência. O quinto agregado é a Consciência ou conhecimento, reação ou resposta às faculdades (visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil e mental). A consciência vem à tona quando uma das faculdades estabelece contato. Exemplo: se existe algo para ser visto, luz suficiente e olhos para ver, produz-se imediatamente a consciência visual.
Todos esses agregados (matéria, sensação, percepção, formação mental e consciência) são inseparáveis, ou seja: ao olharmos uma comida também sentimos o seu cheiro; ao andarmos em um bosque de flores, sentimos o seu perfume e podemos tocar as flores. Há uma interdependência entre todas as coisas, pois tudo o que existe é efeito de uma causa anterior e, por sua vez, causa de um efeito posterior. Compreendendo assim a impermanência de tudo, a compreensão do mundo como um todo aparece clara e nítida. Tudo e todos são interdependentes.
Para melhor ilustrar o assunto, vou contar uma historinha budista. A historinha é importante por que sua moral nos ajuda a entender como se processa o interrelacionamento de tudo e de todos. A historinha chama-se “A ratoeira”.
O ratinho estava olhando pelo buraquinho da parede e aí percebeu que os donos da casa tinham comprado uma caixa grande. Ficou muito curioso e pensou: - O que será que tem ali de bom para eu comer? Quando olhou mais atentamente, notou que o embrulho continha uma ratoeira. O ratinho ficou preocupado, afinal uma ratoeira é para pegar ratos e eu sou um rato... Ato contínuo saiu correndo e no caminho encontrou com a galinha e, apressado falou para ela: “Nós estamos correndo um sério risco! Os donos da casa compraram uma ratoeira. Como é que vamos resolver esse problema?” A galinha respondeu: “Eu não vejo nenhum problema para mim. Eu nunca vi ninguém pegar galinhas com ratoeira. O senhor é quem deve estar um pouco preocupado, até porque eu não fico lá dentro da casa comendo a comida deles, nem fico me esgueirando pelos cantos. Eu sou uma pessoa importante nesta casa, eu dou ovos diariamente”, e assim falando saiu toda imponente ciscando chão. O rato viu que não tinha jeito de convencê-la e saiu correndo em desabalada carreira. Correu, correu e encontrou-se com o porco. Quase sem fôlego falou: “Olha, o problema é bastante sério, compraram uma ratoeira! O que é que a gente vai fazer?!... A galinha nem ligou...” O porco pensou um pouco e depois respondeu: “Meu amigo, o que é que eu tenho com isso? Eu fico quase o dia todo preso no cercado! Além do mais o porco é dentro do reino animal um bicho importante, eu sou quase que reverenciado! Eles precisam de mim, não vê como sou bem alimentado? E ninguém pega porco com uma ratoeira... O senhor é que deve estar preocupado. Vou fazer o seguinte. Sempre que eu rezar vou pedir por você, orando que sua morte seja rápida...” Desesperado o rato continuou correndo e encontrou-se com a vaca que descansava debaixo de uma árvore frondosa, chegou perto dela mais cauteloso e falou: “Sra vaca, compraram uma ratoeira! A fazenda toda corre risco! Eu falei para a galinha, a galinha nem ligou. O porco riu de mim... E quanto a você, pretende fazer o quê?” Respondeu a vaca: “Eu??? E eu tenho alguma coisa a ver com uma ratoeira? Eu nunca ouvi falar na minha vida que uma vaca tenha sofrido algum tipo de constrangimento por uma ratoeira! Eu acho que o preocupado aqui é você... Eu não tenho nada com isso! Se eu fosse você corria e me escondia. Onde já se viu uma vaca ter medo de uma ratoeira, logo o bicho mais importante do reino animal.” E o rato, então, preocupado, sem ninguém para ajudar, se escondeu num cantinho lá e ficou quieto.
Nesta noite ouviu-se um grande barulho. A ratoeira tinha pegado alguma coisa... Os donos da casa se levantaram. A senhora foi rápido no escuro para pegar o que havia sido preso na ratoeira. A ratoeira havia pegado uma cobra pelo rabo, era uma cobra muito venenosa, e o bicho estava vivinho da silva. A cobra picou a mão da senhora. E ela começou a ficar muito doente, com muita febre. Seu marido, preocupado porque ela estava com muita febre, mandou matar a galinha e fazer uma boa canja. Uma canja bem grossa é ótima quando a pessoa está com febre. Mas a senhora não melhorava e teve que ser hospitalizada. Ficou no hospital durante uma semana. Vários parentes e amigos começaram a vir para visitá-la. O marido, sem saber como alimentar toda aquela gente que não parava de chegar, mandou matar o porco. Infelizmente, após uma semana senhora veio a falecer. A despesa com o enterro foi muito custosa, o marido teve que mandar matar a vaca e vender todos os pedaços para fazer jus aos compromissos assumidos com o falecimento.
Então, a pergunta que devemos nos fazer é: “Até quando vamos achar que aquele acontecimento ou aquela pessoa não tem nada a ver com a gente, não tem nenhum parentesco, não tem nenhum elo, não tem nenhuma proximidade? Será que não percebemos que tudo e todos são totalmente interdependentes?” Então, quando alguém comprar uma ratoeira prestem muita atenção... Pode acabar interferindo na sua vida!
Trata-se de um imenso erro rotularmos as coisas com as quais estabelecemos contato, como isso me satisfaz e aquilo não me satisfaz, aquilo lá me é indiferente e eu largo para lá! Na verdade não é. Somos todos animados pela mesma energia, bebemos a mesma água, comemos a mesma comida, respiramos o mesmo ar. Nascemos da mesma maneira. Somos iguais! Apenas manifestamos fisicamente diferenças.
Vamos imaginar todos os seres como sendo parte de uma gambiarra de festa junina, e que nesta gambiarra estivessem presas várias lâmpadas, umas coloridas, outras maiores, umas com mais luz, outras com menos, umas amarelas, outras azuis, vermelhas etc., mas todas animadas pela mesma energia, pela mesma mente cósmica. E que esta energia, essa mente é a responsável pela nossa animação. Uma lâmpada fica amarela, outra verde, outra mais forte, uma pequena, outra grande, mas todas animadas pela mesma energia.
Somos todos interdependentes. Não podemos nos dar ao luxo de fazer separações. A separação produz sofrimentos para todos os seres.
Agora que entendemos um pouco mais sobre o fato de que somos todos irmãos, vamos falar de compaixão.
Compaixão... Se separarmos as palavras, fica “com” e “paixão”, nos passando a idéia de que devemos ter “paixão”... em todos os nossos atos. A paixão é um amor desmedido, sem barreiras e sem obstáculos. Cada coisa, cada ato, cada palavra, cada pensamento deve vir recheado de uma grande amor, deve ser vivenciado “com...paixão” .
Ao perceber que estamos fazendo algo errado, algo incorreto, e sempre percebemos o erro, pois esta percepção é inata, no fundo a gente sabe o que é certo e o que é errado, nascemos com esse princípio, sabemos a diferença. Temos que nos lembrar de que ao fazer algo “com... paixão”, esse ato é naturalmente certo. Entretanto este ato deve ser feito descompromissadamente! Sem interesse, sem estimativa de retorno de qualquer espécie. Em japonês isso se chama ishinryo mushotoku. O ato deve ser feito, porque é o certo a ser feito naquele momento, não porque se deseja um retorno ou alguma vantagem decorrente do ato praticado.
Tem uma outra historinha budista em que dois monges celibatários, um mestre e seu aluno, ambos vinham andando pela rua. Eles tinham feito votos de celibato, chovia muito e no caminho que eles percorriam havia se formado uma grande poça de água que dificultava as pessoas de passarem.
Uma jovem se encontrava com grande dificuldade em atravessar por causa de suas roupas. O Mestre, percebendo o problema da moça, com muita gentileza pegou-a no colo, atravessou a poça, desceu a moça do outro lado e foi embora sem dizer uma só palavra. O aluno ficou com os olhos arregalados do tamanho de um pires e durante o dia inteiro olhou para o mestre com um semblante preocupado. Chegando a noite, o aluno não agüentou mais e perguntou: “Mestre, o senhor não disse que a gente não deve ter contato com as mulheres para manter o celibato? O senhor pegou de manhã uma moça no colo.” Aí o mestre falou: “Mas eu já larguei essa moça há horas atrás, você é que continua segurando-a. No exato momento em que a coloquei no chão eu a larguei, você é que mantém a moça no seu pensamento...”
A ação desinteressada, fazer o que é certo no momento certo, ter compaixão, ajudar os outros, colaborar para que as pessoas possam fazer brilhar a luz interna que tem dentro delas, ajudando a dissipar as trevas da ilusão e da ignorância, porque esses são os venenos que nos poluem e nos estragam, produzindo muito sofrimento. Agindo assim não causamos nem produzimos sofrimento, e também não estamos causando o sofrimento das pessoas que nos rodeiam.
Através da ganância também produzimos dor, angústia e mais sofrimento. Ganância é sempre querer alguma coisa mais, nunca estar satisfeito com o que se possui. Na verdade somos gananciosos, porque não reconhecemos que as coisas são impermanentes, que se modificam, se alteram, se transformam. E se são impermanentes, naturalmente que são insatisfatórias. A mesma taça de chocolate de agora, daqui a meia hora tem um sabor diferente. A mesma pessoa não pode tomar banho no mesmo rio duas vezes, porque a água que o molhou não é mais a mesma, e a pessoa que tomou o primeiro banho também já se modificou.
Temos que repensar a nossa maneira de viver. A maneira melhor de mudar a vida é mudar a nós mesmos. É começar a nos transformarmos naquilo sabemos ser o certo. Se consideramos incorreto falar alto, falemos baixo. Se acharmos que falar palavrão não é bom, não vamos falar mais. Não precisa chamar atenção daqueles que procedem errado, apenas proceda certo... E esse seu “não-fazer” automaticamente começa a influenciar as pessoas que estão bem perto de você. Elas começam a perceber: “Mas por que será que ele é assim? Ele é muito tranqüilo, é um ‘cara’ calmo, pausado, acha a vida boa, não acontece muita coisa errada com ele. Vou começar a prestar mais atenção nele. Ah! Ele não fuma, não bebe, não fica perambulando perdido pela rua, não tem más companhias como amigos. É, ele tem uma vida correta... Vou tentar fazer o mesmo! Talvez por isso ele seja tão simpático e educado.”
Com tua postura, com teu exemplo você vai agindo na formação daqueles que te rodeiam. Afinal, como é que ensinamos aos nossos filhos? Não ensinamos falando, gritando, batendo ou colocando de castigo, ensinamos pelo exemplo, pela postura e pela maneira de ser. É de conhecimento público que as crianças aprendem a fumar nos vendo fumando. Eles aprendem a beber nos vendo bebendo. Eles falam palavrão, porque nos escutam falar palavrões. Se tivermos uma melhor postura, eles passam a ter um bom exemplo a seguir, uma referência correta.
É necessário um grande esforço em ter uma vida correta, pautada em sentimentos corretos, atitudes corretas e pensamentos corretos, afastando a ganância, que é a vontade de sempre querer mais; a raiva, de não poder ter ou ser o que se deseja, e a ignorância, que é o desconhecimento de tudo isso.
Quando a gente começa a trilhar esse caminho, que chamamos de “o caminho de Buda”, mas podemos dar o nome que vocês quiserem, talvez possamos chama-lo de “o caminho correto”. A nossa vida começa a mudar e, quando a nossa vida muda, muda a vida de todos que estão ao nosso redor.
Uma vez Buda vinha andando e viu duas pessoas conversando. Eles eram dois equilibristas de circo, o mais forte falou para o outro o seguinte: “Olha, eu vou tomar conta de você, porque enquanto eu estiver tomando conta de você, você não se desequilibra e cai. E se você tomar conta de mim, o mesmo acontece, porque enquanto você tomar conta de mim eu também não me desequilibro e caio, dessa maneira podemos efetuar várias acrobacias e criarmos ótimos espetáculos sem que nos machuquemos!” O Buda após pedir licença, disse: “Não! Vocês não estão certos. Quando estiverem treinando as manobras acrobáticas, você toma conta de você mesmo”, disse para o mais forte, “e ele”, apontando para o outro, “toma conta dele mesmo. Porque enquanto você estiver tomando conta de você mesmo, automaticamente você toma conta dele. Quando você consegue resolver o seu problema, naturalmente você começa resolver o problema dos outros que estão ao seu redor.”
Se você não consegue resolver o seu problema pessoal, como pretende resolver o dos outros, ajudar aquela outra pessoa? Dar conselhos? Equilibrar? Impedir que caia? E como é que se faz para ajudar, continuou o Buda aos equilibristas. Fazendo exercícios para ficar mais forte, efetuando alongamentos para ficar mais flexível, fazendo meditação para compreender a vida como ela é e, não tremer na hora em que estiver oferecendo apoio para o companheiro. A recíproca é a mesma, o equilibrista de cima também deve se esforçar para estar equilibrado não só física como mentalmente de modo a não derrubar o de baixo.
Cara platéia, o que pretendemos com todos esses exemplos? Desejamos que a nossa vida se transforme, porque quando transformamos nossa vida, transformamos tudo que está o nosso redor. Tem um ditado que diz que quando uma borboleta bate as asas no Amazonas, produz uma onda no Japão! Tudo é interdependente! Tudo se emaranha, se mistura. Isso gera isso, que gera aquilo, que vai gerar aquilo outro. Quando estivemos fazendo alguma coisa, temos que ter atenção e cuidado porque estamos gerando e produzindo outras coisas. Estas outras coisas, se não corretas, podem causar prejuízos. Quando damos um passo para o lado certo, o lado certo dá dois passos para o nosso lado. Quando damos um passo para o lado errado, o lado errado também dá dois passos para o nosso lado. Nós podemos decidir para que lado andar. Uma vez dado o passo, seja certo ou errado, não podemos reclamar do resultado posterior. Caso sua vida seja recheada de resultados ruins foi porque deu vários passos errados.
O hoje condiciona todo o passado e o futuro vai conter todo o presente. Se não dermos os passos corretos hoje, agora, neste momento, como será o nosso amanhã?
Como será o futuro da humanidade, do planeta? Estamos poluindo os nossos rios e mares, acabando com as nossas florestas, extingüindo os animais. Somos nós que estamos fazendo isso, nossa geração! Nesses últimos 40, 50 anos, maltratamos demais o planeta em que vivemos, todos nós temos culpa. Devemos começar a fazer alguma coisa agora porque amanhã não dará mais tempo. O que pretendemos deixar de herança para os nossos netos?
Neste momento, eu convoco todos os presentes a iniciarem imediatamente uma reforma interna, tendo como armas a compaixão e como arsenal a vontade férrea de querer deixar um mundo melhor.
Agradeço a paciência de todos os presentes e, peço que os méritos conseguidos com essa série de palestras sejam revertidos para todos os seres que estejam em sofrimento.
Que a infinita bondade e compaixão de todos os Budas do passado e do presente recaiam sobre vossas cabeças.
É o que eu tinha a falar.
Obrigado.
Texto publicado em
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
CURSO DE MEDITAÇÃO ZEN BUDISTA INTRODUÇÃO, TEORIA E PRÁTICA
CURSO DE MEDITAÇÃO ZEN BUDISTA INTRODUÇÃO, TEORIA E PRÁTICA
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*Local: - Fazenda Sinfonia da Mata (“Tlawi Kalli”), Rodovia SP 54 Km 241, Queluz-SP
*Data: 18 e 19 de Setembro.
PROGRAMAÇÃO:
Sábado:
12:00hs - Almoço
15:00hs - Primeira aula
16:00hs - Zazen (meditação formal sentada)
16:20hs - Kin hin (meditação em movimento)
16:30hs - Zazen (meditação formal sentada)
17:00hs - Pausa - cofee breack
18:00hs - segunda aula
19:00hs - Zazen (meditação formal sentada)
19:20hs - Kin hin (meditação em movimento)
19:30hs - Zazen (meditação formal sentada)
20:00hs - Jantar
22:00hs - Encerramento das atividades.
Domingo:
07:00hs - Zazen (meditação formal sentada)
07:20hs - Kin hin (meditação em movimento)
07:30hs - Zazen (meditação formal sentada)
07:35hs - Choka (recitação de sutra)
08:00hs - Café da manhã
10:00hs - Treinamento de respiração e aumento da energia Ki
10:15hs - Terceira aula
11:30hs - Pergunta e dúvidas
13:00hs - Almoço
15:00hs - Encerramento.
EVENTO ECOLÓGICO ADICIONAL OPCIONAL
PASSEIO EM TRILHA E CACHOEIRA
Valores:
Investimento total R$ 150,00:
Meditação: R$50,00
Hospedagem: R$100,00
DESCONTO ESPECIAL NA HOSPDAGEM PARA FAMÍLIAS (mediante contato prévio)
ZAZEN - MEDITAÇÃO ZEN
Zazen a meditação Zen é hoje uma prática mundial, feita em empresas, hospitais, escolas, templos e mosteiros budistas de todo o mundo, não somente pela grande paz e tranquilidade alcançada por seus praticantes, mas também por suas capacidades terapêuticas.
O sentar-se em silêncio é a verdadeira prática da iluminação budista. É a realização total do contentamento. É alcançar a mente e a essência de todos os iluminados. É alcançar a calma e a tranqüilidade e através da sua própria luz levar a paz a quem te cerca.
Os japoneses usam uma palavra para definir a meditação zen – “gyobutsu” significa “prática de Buda”. Dizem que quando alguém se senta para praticar Zazen é como se o próprio Budha estivesse sentado ali praticando junto.
Faça meditação antes que você precise.
Palestrante:
GETÚLIO TAIGEN é Monge Zen Budista, foi ordenado pela Abadessa Singetsu Coen como Zen Master Teacher (professor do Zen), representa o Templo Taikozan Tenzui Zenji no Rio de Janeiro, possui experiência de mais de 30 anos como professor, palestrante e divulgador de práticas ligadas às filosofias orientais e zen-budistas, como Meditação, acupuntura e Karatê-do.
OBSERVAÇÕES:
-Acompanhantes poderão hospedar-se sem participar do Curso de Meditação.
-Inclui estadia, alimentação, Curso Teórico e Prático de Meditação, práticas ecológicas e palestras.
-DESCONTO ESPECIAL NA HOSPDAGEM PARA FAMÍLIAS (mediante contato prévio)
OBS.: LEVAR: - roupa de cama e banho.
PARTICIPAÇÃO MEDIANTE CONTATO E RESERVA DE VAGA
Para preparo do material necessário às práticas, estadia e alimentação, por e-mail, para julioapolinario@globo.com
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
À NOITE
Chega em casa, cansado da labuta, da faina diária, encontra-se com a família, beija a mulher que mal levanta os olhos das unhas a serem aparadas, beija o filho, que por um instante esboça um leve esgar de satisfação, logo obscurecido pelo ribombar dos socos e chutes do “Dragobol Z” que ele assiste na tv a cabo. Quantos não repetem diariamente esses gestos sem emoção, quantos atos efetuados apenas por costume.
Alheio ao burburinho exterior, como é costume queda-se silencioso, em paz no lugar onde os mundos não se distanciam. Está só, sempre esteve, sozinho em meio as imensas forças do cotidiano que neste momento se calam e se aquietam no interior de si mesmo.
Algumas marcas invisíveis ainda doem do esforço do dia, ele observa seu corpo sem muito interesse, não consegue perceber as muitas marcas tatuadas pelas agruras de viver, a não ser aquelas relativas ao tempo. Sente a dor, aquela que não dói, que não marca, que não deixa seqüelas visíveis.
Ri da não mais tão estranha dimensão do sofrimento humano. Sorri, um sorriso amarelo pelo tempo perdido em que ainda não enxergava, mas percebe claramente que a dor ainda reverbera, que ainda ressoa, e se queda espantado pelos traços ainda não totalmente apagados do medo, do cansaço, da desesperança e da sensação de solidão e escuro. Como uma criança assustada pelos terrores da longa e escura noite, senta-se na almofada de meditação.
Ao longo do meditar... lembra-se daquele que há tantos meses trabalha sem receber salário, daquele que se esforça para entender o que não faz sentido, daquele que ganha muito para fazer pouco, daquela que tem que se virar em duas para poder criar os filhos e praticar, de outra ainda um pouco confusa, um pouco perturbada em meio a escolhas incorretas efetuadas na vida, de outro ainda que quase se afoga em meio a tantos rituais e sistemas que criou para se sentir seguro. Lembra de tantos que passaram, que estão passando, afinal tudo é como uma repetição quase enfadonha, uma estrofe repetida dia-a-dia, ano após ano. Ainda escuto o recitar de alguém efetuado sem muita convicção, sem muita segurança, como que preocupada com que pensarão, caso ela erre. E daí se errar, afinal para que uns se aprovem outros devem ser reprovados. Percebo a sensibilidade começando a ser manifestar, pela retirada dos destroços, pelo apaziguar dos apegos, pelo amenizar dos desejos.
Conhece o caminho. Sentado sem pressa, sem medo, sem incômodo. Conhece o caminho, já passou por ele, lembra-se ainda dos percalços da estrada, dos buracos, das armadilhas, das imagens transbordantes, muitas vezes também escutou os lamentos, também deu o gripo que ficou parado no ar.
Recorda-se da imagem do altar, e pensa que talvez não devesse existir esse altar, um altar, qualquer altar, mas abre a metáfora de “depois” tão incômodo, virulento e inconstante, que é melhor remetê-lo para um simples e verdadeiro aqui-e-agora... Tem a mais absoluta certeza de que somente agora haverá descanso, paz. Para que descansar do longo dia, por que precisa adormecer, por que desligar-se, não precisa, a meditação por si só é bastante suficiente.
Permanece em silêncio, os gritos fantásticos de outrora já não lhe rondam a mente, não mais escuta o gemer oriundo do vale de lágrimas da civilização perdida de si mesmo.
Permanece em silêncio, pensa no apocalipse possível pelo acúmulo da dor e da infelicidade das vidas esmagadas pela desesperança e pela ilusão.
Lentamente respira, profundamente aspira com o seu inspirar todo o universo. Sereno ele busca, no único lugar onde sabe poder encontrar, procura no centro do “agora” a “luz”. Seus olhos vagueiam despreocupados pela parede marcada com as mãos e pés de seu filho bagunceiro. Percebe os intuitos egocêntricos, relaxa na sua imóvel solidão por todos acompanhada, respira em paz e se identifica com a dor de todos, ainda se lembra da angústia de existir em um mundo onde as escolhas a que somos obrigados a fazer nos jogam dentro do caldeirão onde estão misturados em doses abundantes a ganância, a raiva e a ignorância.
Respira... Quieto em si... Renova seu voluntário sacerdócio, seus votos de ensinar o verdadeiro caminho para a comunidade que acompanha, para aqueles que buscam... Tenta se lembrar em como chegou até este ponto, sofrendo, doído, trôpego, ferido... (até rimou) das chagas abertas, das dúvidas, da sensação de ter sido continuamente vencido, da humildade aprendida em meio as sucessivas falhas. Dos erros, dos castigos ou o medo de sofrê-los... Dos limites atuais de suas ações, do tatear, do buscar novas maneiras, novos métodos, da percepção aguda dos limites que o cercam. Como é natural, também se lembra dos sucessos, das vidas que desabrocham em um cântico de louvor a si mesmas... Da expressão de beatitude resgatada, da alegria e da felicidade manifestada.
Lembra de muitos colegas, materialistas de carteirinha, perdidos e aprisionados em suas irreais construções mentais, alheios inteiramente à verdade que bate em suas portas, que se encontra na frente de seus narizes empertigados e empoados de tanta arrogância, de tamanha prepotência e enorme estupidez, alheios inteiramente de si mesmos e de suas enormes possibilidades.
Terminando sua meditação noturna o homem olha o ilusório mundo formado pelos erros repetidos incansavelmente pelos imbecis, pelos idiotas, pelos fanáticos religiosos, pelos preconceituosos de plantão semi-ocultos nas esquinas e escadas da vida, pela vã tentativa de nos sentirmos diversos dos desfavorecidos, dos habitantes dos guetos, dos diferentes, dos opostos. Relembra-se do medo que tinha do mal, do profundo mal subjacente ao gênero humano, da latente destrutividade, das veladas e temíveis intenções escondidas no recôndido do coração dos homens.
Finaliza a sessão, respira profundamente, calmo, renovado... só, mas totalmente unido a todos.
Balança-se de um lado para o outro, desfaz a postura, levanta-se, efetua uma leve mesura para a querida almofada que sempre o recebe tão carinhosamente.
Em seus lábios há um que de abandono infantil.
Amanhã... me esforçarei mais...
O amanhã não existe... me esforçarei hoje.
Alheio ao burburinho exterior, como é costume queda-se silencioso, em paz no lugar onde os mundos não se distanciam. Está só, sempre esteve, sozinho em meio as imensas forças do cotidiano que neste momento se calam e se aquietam no interior de si mesmo.
Algumas marcas invisíveis ainda doem do esforço do dia, ele observa seu corpo sem muito interesse, não consegue perceber as muitas marcas tatuadas pelas agruras de viver, a não ser aquelas relativas ao tempo. Sente a dor, aquela que não dói, que não marca, que não deixa seqüelas visíveis.
Ri da não mais tão estranha dimensão do sofrimento humano. Sorri, um sorriso amarelo pelo tempo perdido em que ainda não enxergava, mas percebe claramente que a dor ainda reverbera, que ainda ressoa, e se queda espantado pelos traços ainda não totalmente apagados do medo, do cansaço, da desesperança e da sensação de solidão e escuro. Como uma criança assustada pelos terrores da longa e escura noite, senta-se na almofada de meditação.
Ao longo do meditar... lembra-se daquele que há tantos meses trabalha sem receber salário, daquele que se esforça para entender o que não faz sentido, daquele que ganha muito para fazer pouco, daquela que tem que se virar em duas para poder criar os filhos e praticar, de outra ainda um pouco confusa, um pouco perturbada em meio a escolhas incorretas efetuadas na vida, de outro ainda que quase se afoga em meio a tantos rituais e sistemas que criou para se sentir seguro. Lembra de tantos que passaram, que estão passando, afinal tudo é como uma repetição quase enfadonha, uma estrofe repetida dia-a-dia, ano após ano. Ainda escuto o recitar de alguém efetuado sem muita convicção, sem muita segurança, como que preocupada com que pensarão, caso ela erre. E daí se errar, afinal para que uns se aprovem outros devem ser reprovados. Percebo a sensibilidade começando a ser manifestar, pela retirada dos destroços, pelo apaziguar dos apegos, pelo amenizar dos desejos.
Conhece o caminho. Sentado sem pressa, sem medo, sem incômodo. Conhece o caminho, já passou por ele, lembra-se ainda dos percalços da estrada, dos buracos, das armadilhas, das imagens transbordantes, muitas vezes também escutou os lamentos, também deu o gripo que ficou parado no ar.
Recorda-se da imagem do altar, e pensa que talvez não devesse existir esse altar, um altar, qualquer altar, mas abre a metáfora de “depois” tão incômodo, virulento e inconstante, que é melhor remetê-lo para um simples e verdadeiro aqui-e-agora... Tem a mais absoluta certeza de que somente agora haverá descanso, paz. Para que descansar do longo dia, por que precisa adormecer, por que desligar-se, não precisa, a meditação por si só é bastante suficiente.
Permanece em silêncio, os gritos fantásticos de outrora já não lhe rondam a mente, não mais escuta o gemer oriundo do vale de lágrimas da civilização perdida de si mesmo.
Permanece em silêncio, pensa no apocalipse possível pelo acúmulo da dor e da infelicidade das vidas esmagadas pela desesperança e pela ilusão.
Lentamente respira, profundamente aspira com o seu inspirar todo o universo. Sereno ele busca, no único lugar onde sabe poder encontrar, procura no centro do “agora” a “luz”. Seus olhos vagueiam despreocupados pela parede marcada com as mãos e pés de seu filho bagunceiro. Percebe os intuitos egocêntricos, relaxa na sua imóvel solidão por todos acompanhada, respira em paz e se identifica com a dor de todos, ainda se lembra da angústia de existir em um mundo onde as escolhas a que somos obrigados a fazer nos jogam dentro do caldeirão onde estão misturados em doses abundantes a ganância, a raiva e a ignorância.
Respira... Quieto em si... Renova seu voluntário sacerdócio, seus votos de ensinar o verdadeiro caminho para a comunidade que acompanha, para aqueles que buscam... Tenta se lembrar em como chegou até este ponto, sofrendo, doído, trôpego, ferido... (até rimou) das chagas abertas, das dúvidas, da sensação de ter sido continuamente vencido, da humildade aprendida em meio as sucessivas falhas. Dos erros, dos castigos ou o medo de sofrê-los... Dos limites atuais de suas ações, do tatear, do buscar novas maneiras, novos métodos, da percepção aguda dos limites que o cercam. Como é natural, também se lembra dos sucessos, das vidas que desabrocham em um cântico de louvor a si mesmas... Da expressão de beatitude resgatada, da alegria e da felicidade manifestada.
Lembra de muitos colegas, materialistas de carteirinha, perdidos e aprisionados em suas irreais construções mentais, alheios inteiramente à verdade que bate em suas portas, que se encontra na frente de seus narizes empertigados e empoados de tanta arrogância, de tamanha prepotência e enorme estupidez, alheios inteiramente de si mesmos e de suas enormes possibilidades.
Terminando sua meditação noturna o homem olha o ilusório mundo formado pelos erros repetidos incansavelmente pelos imbecis, pelos idiotas, pelos fanáticos religiosos, pelos preconceituosos de plantão semi-ocultos nas esquinas e escadas da vida, pela vã tentativa de nos sentirmos diversos dos desfavorecidos, dos habitantes dos guetos, dos diferentes, dos opostos. Relembra-se do medo que tinha do mal, do profundo mal subjacente ao gênero humano, da latente destrutividade, das veladas e temíveis intenções escondidas no recôndido do coração dos homens.
Finaliza a sessão, respira profundamente, calmo, renovado... só, mas totalmente unido a todos.
Balança-se de um lado para o outro, desfaz a postura, levanta-se, efetua uma leve mesura para a querida almofada que sempre o recebe tão carinhosamente.
Em seus lábios há um que de abandono infantil.
Amanhã... me esforçarei mais...
O amanhã não existe... me esforçarei hoje.
A CANÇÃO DAS METADES
Creio já ter atravessado a metade ou o meio desta vida flutuante onde o vasto vazio é soberano.
Meio ..., metade ..., pequenas palavras tão cheias de significados ocultos. Nesta vida em que alternamos sofrimentos e alegrias em doses homogêneas, de que nos adianta tentar provar das alegrias ou tristezas, além das que podemos ter.
Meio ..., metade ..., pequenas palavras tão cheias de significados ocultos. Nesta vida em que alternamos sofrimentos e alegrias em doses homogêneas, de que nos adianta tentar provar das alegrias ou tristezas, além das que podemos ter.
A metade da vida é a melhor fase, o período mais interessante que alguém pode querer chegar. Aquele que sabe andar vigilante, devagar, calmo e sem pressa, obterá um vasto mundo entre o céu e a terra.
Moro há meia distância entre a montanhas e o mar. Sou meio intelectual e meio desligado, meio elegante porem desarrumado. Vivo em meio aos que tem posses, mas dirijo meus parcos esforços para o bem do povo simples e carente. Minha sua casa é adornada, porém meio simples. Não é pequena nem grande demais e, apesar de possuir bons móveis, parece meio nua e vazia.
Minhas refeições são triviais, simples, mas bem elaboradas por uma nutricionista. Tenho uma empregada evangélica, que compreende o Zen Budismo mais que muitos praticantes que conheço, não é astuta nem muito estúpida. Fala quando pode e finge que entendeu o que não tem a menor idéia do que seja.
Casei com mulher não muito feia nem bela em excesso, que não gasta muito nem é excessivamente econômica, que usa sapatos altos, mas só para sair, nunca em casa.
Casei com mulher não muito feia nem bela em excesso, que não gasta muito nem é excessivamente econômica, que usa sapatos altos, mas só para sair, nunca em casa.
Seguindo assim minha vida, sinto que sou meio Budha meio homem, não sendo nada completo, nem faltando muita coisa, sou bom pai e esposo razoável. Praticante sincero e meio desapegado.
A metade do que sou entrego ao Budha, a outra metade deixo para quem quiser (*).
Meio pensando no que seria o correto a ser feito, meio preocupado em como pagar as contas que teimam em crescer, meio pensando em prover para a posteridade e, meio tentando responder e corresponder a quem de mim solicita.
Meio pensando no que seria o correto a ser feito, meio preocupado em como pagar as contas que teimam em crescer, meio pensando em prover para a posteridade e, meio tentando responder e corresponder a quem de mim solicita.
Não muito feio, nem belo em demasia, não muito alto nem baixo demais, nem forte nem fraco, nem magro nem gordo, nem pobre nem rico, nem isso nem aquilo.
Pois, é melhor bebedor quem só meio ébrio fica. A flor a se entreabrir mais linda se revela. Mais firme é o navegar do barco à meia vela. Melhor trota o cavalo de rédeas meio presas. Melhor se senta em zazen quem não tenta impressionar com sua postura perfeitamente ereta. Melhor é comer um pavê sem culpa, porém só meio pedaço. Mais bonito que olhar o dia ou a noite e vê-lo nascer e se pôr. Melhor que ver o mestre partindo é saber que já voltou.
Pois, é melhor bebedor quem só meio ébrio fica. A flor a se entreabrir mais linda se revela. Mais firme é o navegar do barco à meia vela. Melhor trota o cavalo de rédeas meio presas. Melhor se senta em zazen quem não tenta impressionar com sua postura perfeitamente ereta. Melhor é comer um pavê sem culpa, porém só meio pedaço. Mais bonito que olhar o dia ou a noite e vê-lo nascer e se pôr. Melhor que ver o mestre partindo é saber que já voltou.
Quem tem meios demais sofre de muita ansiedade. Quem não os tem, deles precisa.
Como a vida se faz de doçura e amargor de alegrias e tristezas, de amor e desamor, de sim e de não, quem só a metade experimenta e prova é mais inteligente e sábio.
(*) A Monja Coen ao ler esse texto, disse que entregar somente a metade de mim para Budha era muito pouco, que sendo Budha o mesmo que o “todo” e a representação da iluminação inerente a cada um de nós, devíamos nos entregar todo para ele, devíamos dar o famoso passo a frente, mesmo estando no alto de um mastro de 35 metros de altura e, nada de nós podemos deixar para quem quer que fosse pois se somos o conjunto agregado de todas as partes do universo e, se tudo que se agrega acaba se desagregando, como poderíamos faze-lo. Mesmo assim entendi de deixar como estava, apenas fazendo essa pequena resalva.
A Discussão é Inútil
“Se o adversário é inferior a ti, porque brigar;
Se o adversário é superior a ti, porque brigar;
Se o adversário é igual a ti, compreenderá o que tu compreende;
Então... não precisará haver luta.”
Se o adversário é superior a ti, porque brigar;
Se o adversário é igual a ti, compreenderá o que tu compreende;
Então... não precisará haver luta.”
Todos os debates são inúteis, o próprio debater é uma idiotice, ninguém pode atingir a verdade pela discussão. Todas as discussões são uma grande perda de tempo, porque provocam um clima no qual qualquer entendimento entre duas ou mais pessoas se torna insuportável, onde qualquer coisa dita é sempre mal interpretada. Uma mente que está disposta a vencer, a conquistar, não consegue compreender nada. Isso é impossível porque a compreensão necessita de uma mente tranqüila e não violenta. E quando você está lutando pela vitória, você tem, obrigatoriamente, que ser violento.
Discutir é um ato de violência. Através dele você pode até matar, mas nunca ressuscitar. Através dele você pode até aleijar, mas nunca curar. Através dele a verdade, pode ser assassinada, mas nunca recuperada. O debate é sempre violento. Nele, sua própria atitude é sempre violenta. Na verdade você não está em busca da verdade, está em busca da vitória, seja por uma argumentação mais lógica, por uma erudição maior, ou ainda pela força física ou status. Quando a vitória é a meta, a verdade é sacrificada. Quando a verdade é a meta, você pode sacrificar a vitória.
Apenas a verdade pode ser a meta; a vitória não. Quando a vitória é a meta você se torna um político. Você fica agressivo, está sempre tentando vencer o outro, esta sempre tentando dominar e tiranizar de todos os modos possíveis. A verdade não pode nunca se transformar em dominação, não pode nunca destruir.
A verdade não pode ser uma vitória, quando essa abstrata vitória significa derrotar alguém. A verdade trás humildade, modéstia. Não uma viagem em prol de sua vaidade, de seu orgulho, do seu ego, como o são todas as brigas. A briga nunca conduz ao real; sempre caminha para o ilusório, para o não verdadeiro, porque a própria sensação de vitória é estúpida! Verdade significa nem “eu” nem “você”, na discussão, ou eu venço ou você vence; a verdade mesmo nunca é vencedora.
Aqueles que estão realmente na busca permitem que a verdade vença a ambos, enquanto que os competidores esperam que a vitória pertença apenas a si mesmos, não aos outros. Entretanto, os outros não existem. Na “verdade” nós nos encontramos e nos tornamos “um”. Assim quem pode ser o vencedor? Quem pode ser o vencido? Na realidade ninguém é vencido ou vencedor.
Como você pode entender o seu oponente se você está contra ele? O entendimento é impossível. O entendimento necessita de simpatia, de participação, de calma, de serenidade. Entender significa ouvir o outro totalmente. Ao discutir, debater, argumentar, racionalizar, você não ouve o outro, apenas finge ouvir e, interiormente, fica se preparando. Por dentro, você está se armando para a próxima jogada pronto para rebater, quando o outro parar.
Na briga a verdade não é significativa. Por isso a comunhão nunca acontece; você pode argumentar, e quanto mais argumentar, mais se separará do outro. Quanto mais discutir, maior será a separação, até tornar-se um enorme abismo.
Verdade significa simpatia; verdade significa não argumentar. Você veio para ouvir, para buscar a verdade, não para discutir, você veio para entender, não para vencer. Você não veio para ganhar, pelo contrário está pronto para perder.
ela lógica, pela argumentação, pelo conhecimento, as pessoas tornam-se alheias uma as outras, tornam-se estranhos. Como você pode achar a verdade se não consegue entender o oponente, se não é capaz de nem mesmo ouvi-lo, se a sua mente por dentro, continua brigando, discutindo? Você é violento e essa agressão não o ajudará. Todas as brigas são fúteis, nunca levam a nada.
Quando você vence com a verdade, seu oponente não é derrotado, a verdade foi quem venceu, e o outro fica feliz. Ele se sente vitorioso com sua vitória, ele participa. Está não é uma vitória sua, a verdade venceu e, ambos podem celebrar. Mas quando você derrota uma pessoa, ela nunca é vencida. Permanece inimiga. No íntimo, fica esperando pelo momento certo de reivindicar seus direitos, de correr atrás do prejuízo.
A menos que você se unifique com a vida, nunca poderá conhecer a verdade. A unificação com a vida só acontece dentro de você. Não existe nenhuma maneira de conhece-la do lado de fora. Você pode andar o mundo todo, rodar de um lado para o outro, mas nunca descobrirá a verdade. Ela está dentro e não fora.
A vida não é um problema. Se você estiver tentando resolve-la, não a compreenderá. A porta da verdade
está aberta, nunca esteve fechada. Se a porta estivesse fechada, os cientistas, os políticos e os brigões de plantão encontrariam uma maneira de fabricar a chave.
A vida não é um enigma para ser resolvido, é um mistério para ser vivido, hoje aqui e agora. Nenhum tipo de briga pode ser de alguma ajuda; nem com os outros nem consigo próprio.
Quando você procura briga, você a encontra. Mesmo que ninguém o insulte, mesmo que ninguém queira brigar, você a encontra. Então não as procure, caso contrário as encontrará em todo lugar que vá. Por exemplo: De repente alguém ri, não de você, quem afinal é você? Por que você pensa que tudo é com você?
Você apenas está apenas passando e, então alguém ri; logo você pensa que estão rindo de você. Porque de você? Quem você pensa que é? Você é o ilustre quem? Se alguém ri, está rindo de você? Alguém xinga, está xingando você? Alguém está com raiva, está com raiva de você? Ora! Tenha paciência, se toca, você não é tão importante assim.
Toda essa paranóia está dentro de você. Você é que é brigão, violento, prepotente, presunçoso e arrogante. Você não pode criar a arrogância, se ela não estiver lá dentro. Você não pode botar para fora a prepotência se ela não estiver lá dentro. Quando se vira um copo o que está dentro cai. Quando alguém ri você pensa que é de você. Você é o problema não aquele que ri. Você é que está carregando a raiva, ele é a penas o pretexto, se não for ele será outro, qualquer outro. Ninguém lhe faz nada, você é que se faz. É a sua história interna, o conteúdo do seu copo, que sai para fora. É o transbordar do que você está cheio.
Uma semente cai no solo, germina, e uma árvore começa a crescer. O solo, o ar, a água o sol estão dando a oportunidade. Mas a árvore já estava escondida na semente. Você carrega a árvore inteira dentro de você e, os outros apenas lhe dão a oportunidade de germinar. Agora se sua árvore é um cactus todo retorcido, feio, cabeludo, cheio de espinhos venenosos, ou uma linda flor que a todos encanta e conquista, depende do que tem dentro de você.
Quando algo acontecer, não olhe para fora, não ache que a culpa é dos outros, olhe para dentro, porque seja lá o que esteja acontecendo, tem a ver com você, somente com você, ninguém tem nada com isso. Não se esqueça que a rudeza, a dureza, a grossura e a ignorância sempre perdem, tanto que os dentes caem e a língua fica.
“Na história da teimosia, entre a rudeza e a arrogância,
É tão forte a ignorância, tão cruenta, tão mordaz,
Que a própria sabedoria de tudo sabendo tanto,
Não pode saber de quanto o ignorante é capaz”
Lembre-se do ditado: “Quando o arqueiro erra o alvo, não procura o defeito na flecha, no arco, no vento ou no alvo, procura o defeito em si próprio”.
“Realmente vitorioso não é quem vence em batalhas milhares de homens, mas sim, quem a si mesmo vence.”
Dhammapada - ves. 103 - Séc. lll a.C.
Desejo que todas as coisas boas fluam para vocês, que os perigos não os alcancem, que nenhum mal os atinja, que todos possam ser felizes, saudáveis e com longa vida.
Na paz de Budha
A Ética e o Significado da Vida
“Era uma vez um homem que queria ouro. Ao amanhecer, colocou o seu chapéu e seu casaco e se dirigiu para o mercado. Foi até à loja de um mercador de ouro, pegou o seu ouro e fugiu. A polícia o pegou e lhe perguntou, "Por que você roubou o ouro de outra pessoa na frente de tantas pessoas?" O homem respondeu, "No momento em que o peguei, não vi as pessoas - vi apenas o ouro."
A felicidade é inacreditável e parece quase impossível. Parece que o homem não pode ser feliz. Se você fala sobre a sua depressão, tristeza, miséria, todo mundo acredita nelas. Parece natural. Se você fala sobre sua felicidade, ninguém acredita, parece não natural.
Sigmund Freud, depois de 40 anos de pesquisa sobre a mente humana, trabalhando com milhares de pessoas, observando milhares de mentes perturbadas, chegou à conclusão de que a felicidade é uma ficção: o homem não pode ser feliz. No máximo, podemos tornar as coisas um pouco mais confortáveis, isso é tudo, podemos tornar a infelicidade um pouco menor, isso é tudo. Um homem feliz não pode existir? Parece muito pessimista, olhando para o homem moderno, parece ser exatamente o caso, parece ser um fato.
Budha diz que o homem pode ser feliz, tremendamente feliz. Krishna canta canções dessa derradeira felicidade (satchitanand). Jesus fala sobre a felicidade permanente no Reino de Deus.
Hum! como acreditar em tão poucas pessoas, contra toda a massa, milhões e milhões de pessoas através dos séculos, permanecendo infelizes, crescendo mais e mais em direção à infelicidade, toda a sua vida sendo uma estória de miséria e nada mais? E finalmente, a decrepitude e morte! Como acreditar nessas poucas pessoas que afirmam que a felicidade existe?
Ou elas estão mentindo ou estão enganando a si mesmas. Ou mentem por algum outro propósito ou estão doidas varridas (me desculpe, todo zen budista é assim mesmo) enganadas pelas próprias ilusões e desvarios. Estão vivendo num estado de querer preencher os seus desejos. Elas queriam ser felizes a todo custo e começaram a acreditar que eram. Parece mais como uma crença, uma crença desesperada, ao invés de um fato. Tudo bem! Está certo, mas eu pergunto? Como veio a acontecer que apenas poucas pessoas se tornaram felizes?
Se você se esquece do homem, se não presta muita atenção ao homem, então Buda, Krishna, Cristo, Mahavira, Láo Tse parecerão mais verdadeiros. Se você parar com sua faina diária e olhar para as árvores, olhar para os pássaros, olhar para as estrelas, para o mar, para os rios, então perceberá claramente que tudo está vibrando com tremenda alegria, está tudo vivo e feliz. E você, dando vazão a sua mente condicionada, me perguntará: Então a felicidade é “feita” da própria matéria com a qual a existência é feita, tudo na natureza é só alegria e felicidade ? Somente o homem é infeliz.
Certamente, alguma coisa de muito errado aconteceu lá dentro dos homens, no seu íntimo, Budha e os outros Mestres não estavam enganados e não mentiram. E digo isso, não com a autoridade da tradição budista que tenho a honra de praticar; digo isso com a minha própria experiência. O homem pode ser feliz, mais feliz que os pássaros, mais feliz do que as árvores, mais feliz do que as estrelas porque o homem tem algo que nenhuma árvore, nenhum pássaro, nenhuma estrela tem. O homem tem consciência e livre arbítrio!
Entretanto, quando se tem consciência, duas alternativas são possíveis: você pode se tornar infeliz ou pode se tornar feliz. Você tem o livre arbítrio, pode escolher! As árvores simplesmente são felizes porque elas não podem ser infelizes. A felicidade delas não é liberdade de escolha delas, elas têm de ser felizes. Elas não sabem como ser infelizes; elas não tem alternativa. Esses pássaros cantando nas árvores, eles são felizes! Não porque tenham escolhido ser felizes, eles estão simplesmente felizes porque não conhecem outra maneira de ser. A felicidade deles é inconsciente. É simplesmente natural.
O homem pode ser tremendamente feliz ou tremendamente infeliz, e ele é livre para escolher. Essa liberdade é arriscada. Essa liberdade é muito perigosa, porque você se torna responsável (lembrei-me do Pequeno Príncipe de Exupéry). E alguma coisa aconteceu com essa liberdade, alguma coisa aconteceu de errado. O homem está, de certa forma, de cabeça para baixo.
Pessoas chegam ao San Zen Dojo buscando a meditação, buscando a calma, a tranqüilidade, a eqüanimidade, em suma procurando a alegria perdida. A meditação é necessária apenas porque você escolheu não ser feliz. Se você tivesse escolhido ser feliz, não haveria necessidade de nenhuma meditação, de nenhuma religião. A religião é como um remédio, a gente só toma se estiver doente. Se você está doente, então um antibiótico é necessário, ou então uma sessão de acupuntura. Uma vez que você tenha começado a escolher a felicidade, uma vez que tenha decidido que você tem de ser feliz, então nenhuma meditação é necessária. A meditação começa a acontecer por si mesma. A meditação é uma função do estar feliz. A meditação acompanha um homem feliz como uma sombra: onde quer que ele vá, seja lá o que estiver fazendo, ele está meditativo. Ele está intensamente con centrado. A palavra "meditação" e a palavra "medicina" vêm da mesma raiz. Você não carrega frascos de remédios e receitas com você se está saudável.
Existem tantas religiões por aí porque a cada dia mais pessoas estão infelizes. Uma pessoa feliz não precisa de religião; uma pessoa feliz não precisa de templo, de igreja, de médicos, porque para uma pessoa feliz, todo o universo é um templo, toda a existência é uma igreja, essa pessoa não fica doente porque seu corpo e mente funcionam perfeitamente e, partindo do princípio de que tudo tem seu oposto, se o corpo tem a doença, também tem a cura. A pessoa feliz não efetua nada que se pareça com uma atividade religiosa porque toda a sua vida é religiosa, é sagrada.
Seja lá o que você fizer com felicidade, é uma oração: o seu trabalho se torna uma devoção, o simples fato de atender um paciente e diminuir seu sofrimento é uma verdadeira benção; a sua própria respiração tem um intenso esplendor, uma graça. Não precisa ficar o tempo todo repetindo o nome de Deus, somente os incultos fazem isso. Deus não tem nome, é o inominável e repetindo algum suposto nome você simplesmente anestesia a sua mente. Você não vai a lugar algum repetindo o seu santo nome. Um homem feliz simplesmente “vê” que Deus está em todo lugar. Você precisa apenas de olhos felizes para enxergá-lo. Mas, infelizmente não é assim que acontece, não é isso que se observa. Afinal, o que aconteceu de errado?
Você foi criado por pessoas que ainda não chegaram lá. Você foi criado por pessoas que não eram felizes. Sinta pena delas! Não estou dizendo para ser contra elas; não as estou condenando. Apenas sinta compaixão por elas. Os pais, os professores da escola, os professores da universidade, os assim chamados líderes da sociedade, eram pessoas infelizes. Eles criaram um padrão de infelicidade latente em você. E você ainda não assumiu a sua vida. Eles vivenciavam uma má interpretação da vida, essa era a miséria deles. E você também está vivendo sob esta mesma má interpretação.
Na época do Império Britânico na Índia, um jovem subalterno viajou a uma parte distante do Punjab para se juntar ao seu primeiro regimento. Ele se apresentou ao coronel que lhe deu boas vindas e disse, "Você tem de compreender, Skiffington Smythe, que precisamos de um tipo de oficial muito especial por aqui. Alguém que possa lidar com os nativos, alguém que possa pensar por si mesmo e manter-se frio numa situação difícil. Assim, criamos um pequeno teste que exigimos que os novos oficiais o façam. Você está pronto para tentar?"
"Certamente, senhor," disse o bravo jovem oficial britânico, todo empertigado.
"Muito bom," respondeu o coronel. O teste é bem simples, divide-se em duas partes: antes de mais nada, você tem de ir até o mercado da cidade, onde pegará a primeira mulher que vir, irá rasgar o seu véu e beijá-la bem nos lábios (eles estavam na Índia). Esse é um procedimento bastante perigoso já que os homens aqui são muito ciumentos, violentos e portam facas o tempo todo. Você tem que beijar essa mulher e, naturalmente, escapar com vida. Depois, tem de ir até à selva fechada e atirar no primeiro tigre que enxergar, o tiro tem que ser bem entre os olhos. Entendeu tudo?"
"Sim, senhor," respondeu o subalterno.
E com isso, o coronel deu ao jovem oficial um rifle com apenas uma bala. O bravo jovem fez a saudação, girou sobre seus calcanhares e se foi.
Uma semana mais tarde, o coronel ouviu um arranhar na sua porta. Ele gritou para quem estivesse ali para entrar: a porta se abriu e uma figura caiu sobre o tapete de entrada. Era Skiffington Smythe, o jovem oficial!
Esfolado, quebrado, cheio de pêlos e sangrando em pelo menos uma dúzia de ferimentos, se arrastou pelo chão, ergueu-se dolorosa e dificilmente sobre seus pés até a mesa do coronel, fez uma saudação fraca e titubeante e disse:
"Tudo bem, senhor... a metade da tarefa eu já cumpri, agora onde está essa mulher que eu tenho que atirar bem entre os olhos ... ?!"
Quando olho para a humanidade, para meus alunos do centro zen, para meus pacientes, para os amigos, para os meus parentes, vejo o mesmo problema. Alguma coisa profundamente errada aconteceu. Todos compreenderam mal as instruções, não leram a bula, e as instruções pareciam tão claras.
“Era uma vez um homem em chi que queria ouro. ao amanhecer, colocou o seu chapéu e seu casaco e se dirigiu para o mercado. foi até à loja de um mercador de ouro, pegou o seu ouro e fugiu. a polícia o pegou e lhe perguntou: - Por que você roubou o ouro de outra pessoa na frente de tantas pessoas? O o homem respondeu: - No momento em que o peguei, não vi as pessoas, vi apenas o ouro."
É uma parábola. Ela diz: "Se você sabe exatamente o que quer, vê apenas isso. A concentração acontece facilmente. Se você sabe exatamente o que quer, então toda a vida e todo o mundo acontece dessa maneira, você nem sequer os vê. Você vai como uma flecha. Você não fica distraído. Mas se você não sabe qual o significado de estar aqui, se você não sabe qual é a razão da sua vida, se você não sabe o que realmente quer, então tudo é uma distração, você é puxado nessa e naquela direção, e isso acaba criando muita confusão mental.
Você é puxado em tantas direções ao mesmo tempo que a sua personalidade fica quebrada, dividida. Somente fragmentos: um fragmento vai para o norte, outro fragmento vai para o sul. Você está continuamente em conflito. Não sabe onde está indo porque você não é mais “um”. Você só se torna “uno” quando sabe o que quer. Desse modo é óbvio que a sua vida não pode ter uma unidade orgânica em si.
Você não tem nenhum senso de direção. Mas nunca é tarde demais. Você pode tomar posse da sua vida a qualquer momento. Se você decidir, então a primeira coisa a fazer é: não ouça a voz dos seus parentes dentro de você, não ouça a voz dos seus professores dentro de você, não preste atenção em nenhuma voz em especial. Apenas, sente-se, feche os olhos e tente sentir: seja lá o que você queira, o que você precisa, o que vo cê deseja, é seu mesmo? te pertence realmente? Aquele querer, aquele desejo, aquela necessidade.
Tente descobrir, tente conferir a quem pertence essa voz, a quem pertence esse querer.
Se você escutar silenciosamente, se surpreenderá: Sua mãe estará dizendo, "Torne-se um médico!" E você será capaz de perceber exatamente quem está dizendo isso. Seu pai estará falando, "Fique rico!" O seu irmão estará dizendo, “Compre-me um carro”, seus professores, “Estudem para a prova, façam o trabalho!”, seus vizinhos estarão dizendo outras coisas mais malucas ainda. E não apenas isso: Eles estarão dizendo alguma coisa com seus lábios e uma outra coisa com os seus olhos; dizendo uma coisa, significando outra.
Alguém lhe diz, "Seja honesto, seja verdadeiro!" e você sabe que ele mesmo não é honesto e não é verdadeiro, você pode ver isso nos seus olhos, não no som que sai de sua boca. Se olharmos com calma, serenidade e desapego, poderemos ver muito profundamente, poderemos penetrar e “enxergar” a mentira.
Coisas são ensinada na escola, mas a vida é muito dinâmica, tem outras necessidades. Surge a confusão, o conflito. As contradições vão se acumulando e elas o puxam em diferentes direções. Assim, você não está mais unido, “uno”, a sua unidade é perdida. Você é uma multidão, uma multidão louca e desorientada.
Tem que se desprogramar, compreenda isso. Aquilo que você aprendeu errado pode ser desaprendido. O que você aprendeu com os outros não é natural para você: você pode apagar isso. Apenas uma pequena consciência é necessária. Então a primeira coisa é apagar tudo o que foi incutido incorretamente em você e somente então você será capaz de escutar a voz do seu próprio coração novamente.
Mas, como distinguir o que é o quê, o que é a voz da mente e o que é a voz do coração? Por enquanto é difícil distinguir: primeiro você tem de limpar a mente dos erros. A voz do coração é muito silenciosa e muito pequena. A da mente é muito barulhenta: ela continua a gritar coisas. O coração sussurra. A mente grita.
Seus pais gritavam com você, seus professores na escola gritavam com você, todos gritam muito, falam muito alto. A mente grita. Deus fala em sussurros. Primeiro o seu grito tem de ser cessado, do contrário, é muito difícil... a voz que você ouve o dia inteiro não é sua, não é do seu próprio coração.
Uma coisa é certa: você não pode jamais se tornar outra coisa que não seja você mesmo, e a menos que se torne você mesmo, você não pode ser feliz. A felicidade acontece apenas quando uma roseira faz crescer rosas; quando ela floresce, quando tem a sua própria individualidade. Você nunca poderá ser uma roseira tentando produzir flores de lótus, isso é criar infelicidade.
Apague esse grito na mente. E a maneira de fazer isso não é com luta: a maneira de apagá-lo é apenas tornar-se ciente. Todas as noites, por alguns minutos, sente-se na sua cama e apenas observe de onde você ouve alguma coisa, simplesmente vá até às raízes das vozes. Siga a trilha, vá para trás, encontre o lugar de onde isso vem.
Se procurar, você encontra a fonte, e no momento em que encontrá-la, sentirá um grande alívio. É um trabalho lento, mas se você trabalhar com afinco, dentro de pouco tempo, se sentirá muito limpo. O seu “livro” está limpo, ninguém mais está escrevendo nele. Então, somente então, você será capaz de ouvir aquela pequena “voz silenciosa”. E uma vez que a escute, o próprio escutar é como um trovão repentino. De repente, você está unido, de repente você tem uma direção, de repente você sabe onde está o seu ouro. E então você não vê ninguém, você simplesmente vai como uma flecha em direção ao seu destino.
É muito fácil seguir seus pais, é muito fácil seguir seus professores, é muito fácil seguir a Budha, a Cristo, é muito fácil seguir a sociedade, é muito fácil ser obediente. Agora ser rebelde, questionar, estar por si mesmo, é muito difícil. Mas o crescimento e a felicidade só vem com o caminho difícil.
Era uma vez um fazendeiro que, depois de uma colheita pobre, reclamou: "Se Deus me deixasse controlar o tempo, tudo seria melhor porque, pelo visto, Deus não sabe muita coisa sobre agricultura." Então o Senhor Deus lhe disse: "Por um ano, eu lhe darei o controle do tempo; peça o que desejar e você obterá." Naqueles tempos antigos, Deus costumava fazer isso, não tinha muita gente e ele ainda se permitia certos luxos. Depois ele se encheu de trabalho e, coitado não pode mais.
O pobre homem ficou muito feliz e imediatamente disse, "Agora eu quero Sol," e o Sol saiu. Mais tarde, ele disse, "Faça a chuva cair," e choveu. por todo um ano, primeiro o Sol brilhava e então chovia. As sementes cresceram e cresceram, era um prazer olhar. "Agora Deus pode entender como controlar o tempo," disse orgulhosamente. A colheita nunca foi tão grande, tão verde, um verde tão luxuriante.
Era época de colheita. O fazendeiro pegou sua foice para cortar o trigo mas que tristeza. As espigas estavam praticamente vazias. O Senhor veio e lhe perguntou, "Como está a sua colheita?" O homem reclamou, "Pobre, meu Senhor, muito pobre!" "Mas você não controlou o tempo? Tudo o que você queria não deu certo?" "É claro! E essa é a razão pela qual estou perplexo. Tive a chuva e a luz do Sol que pedi mas não há colheita." Então o Senhor disse, "Mas você nunca pediu vento, tempestades, gelo e neve, e tudo o que purifica o ar e torna as raízes duras e resistentes? Você pediu chuva e Sol, mas não tempo ruim. Essa é a razão porque não existe colheita."
A vida é possível apenas através de desafios. A vida é possível apenas quando você tem ambos, bom tempo e mau tempo, quando você tem ambos, quando você tem ambos, inverno e verão, dia e noite. Quando você tem ambos, tristeza e alegria, desconforto e conforto. A vida se move entre essas duas polaridades, Yin e Yang. Movendo-se entre essas duas polaridades, você aprende como ter equilíbrio ou usando um jargão médico, homeostase.
Se você escolhe o conforto, conveniência, a facilidade, escolhe a tristeza. Foi exatamente assim que você perdeu a felicidade: você escolheu a conveniência ao invés dela. É muito conveniente seguir a voz dos outros, mas assim você não cresce. Você está tentando obter os tesouros da vida de forma muito barata. É necessário que você pague por isso. Nunca tente obter algo sem pagar, simplesmente, não aceite, sinta-se insultado. Não aceite, isso está abaixo de você. Diga: "Eu pagarei por isso, somente então aceitarei." De fato, se algo lhe for dado sem estar pronto para isso, sem você ser capaz disso, sem estar receptivo para isso, você não será capaz de tê-lo por muito tempo. Você vai perde-lo, esquece-lo, logo, logo. Você não será capaz de apreciar o seu valor. A vida nunca lhe dará nada barato, porque s e for dado sem que haja esforço de sua parte, você não consegue aproveitar.
Escolha o caminho difícil. E ser um indivíduo é a coisa mais difícil no mundo porque ninguém quer que você seja um indivíduo. Todo mundo quer matar a sua individualidade e fazer de você uma ovelha medíocre. Ninguém quer que você esteja por si. Portanto, você continua a perder a felicidade, continua a perder a direção, não pode ser nada por mais de uma fração de segundo. Como pode ser bem-aventurado?
Escolha o seu próprio destino, ou Karma como lhe aprouver. Ninguém pode mostrá-lo para você. Qual é o seu destino/Karma, ninguém sabe, nem mesmo você. Você tem de senti-lo, vivê-lo.
Primeiro, abandone tudo o não seja seu, tudo que é emprestado no seu ser e então será capaz de sentir. Isso sempre o leva ao lugar certo, ao objetivo certo. A coisa que você chama de consciência exatamente agora não é a sua consciência, é um substituto, uma pseudo-consciência, falsa, imitada, limitada. Abandone-a! E no próprio abandonar, será capaz de enxergar, por trás dela, a sua consciência de verdade que tem lhe esperado, que está lhe aguardando. Uma vez que essa consciência surja para você, a sua vida tem uma direção. Para abandonar o que não é seu e, portanto não lhe pertence, apenas sente-se. Sente-se confortavelmente sem pensar em nada em especial, sem prestar atenção a nada que venha a sua mente, sem conceituar os pensamentos como bons, agradáveis ou neutros, apenas sente-se e não queira nada, não deseje nada, não tenha aversão a nada ne m espere nada. Sente-se apenas.
Sim, aquele homem estava certo. Ele disse: "no momento em que o peguei, não vi as pessoas - vi apenas o ouro." Quando você sentir o seu destino/Karma, você vê apenas o seu destino/Karma, você vê apenas o ouro.
Os Quatro Estados da Mente
Mente Comum, Contemplação, Concentração e Meditação
Contemplação significa pensamento dirigido, direcionado. O leigo pode até achar que a mente em estado de contemplação é a mesma em estado de pensamento comum, mas não é verdade. O pensar da mente comum é vago, desgovernado, não começa nem acaba em nenhum lugar. A mente comum funciona por associações. Um pensamento levando a outro, sem qualquer comando de sua parte. A mente comum, deste modo, de associação em associação navega livre e louca sem qualquer direção, como um navio desgovernado num oceano bravio. Por exemplo: de repente, você vê um gato atravessando a rua, lépido como só os felinos sabem ser. No exato momento em que você estabelece contato visual com o gato, sua mente comum, começa automaticamente, a pensar a respeito de gatos. A visão do gato captura e conduz sua mente, por meio de associações relacionadas a lembranças passadas.
Quando você era criança talvez gostasse (ou não) de gatos, a partir do momento em que você estabeleceu contato com o gato, todos o fato relacionado a gatos de sua infância vem a sua mente (como se você acessasse um arquivo específico na sua memória) e, por associação você começa a lembrar-se de coisas acontecidas durante seus contatos ao longo de toda a sua vida com os gatos, nesse meio tempo o gato acaba sendo esquecido, pois sua mente comum já se encontra completamente ligada a outras lembranças que por sua vez lembram outras e assim por diante. Desta maneira o tempo passa, e de associações em associações você vai levando a vida. (acreditando piamente que está vivendo plenamente).
Se qualquer outra pessoa tivesse cruzado a rua com o mesmo gato, a associação mental seria completamente diferente, pois as experiências ao longo da vida foram diversas. Todo mundo possui elos associativos na mente. Não existe nenhuma relação entre dois ou mais pensamentos. Trata-se apenas de associação de um pensamento a outro, e, eles conduzem a si próprios. Ou melhor, você é conduzido, levado de roldão pelos pensamentos associativos, de lá para cá como um peixe fora d’água.
Não há nesta associação nenhuma conexão lógica ou estudada, apenas e tão somente associações desgovernadas. Todo mundo tem. Qualquer acontecimento por mais banal que possa parecer o empurra para outros pensamentos e, um pensamento leva a outro, a outro a outro e assim sucessivamente por toda a sua vida até que você interrompa essa sua existência tão fútil.
O pensamento comum transforma-se em contemplação quando não acontece através da associação, mas sim quando é dirigido. É quando você está trabalhando em um sério problema e isola todas as associações. Você passa a tratar apenas desse problema em particular. A mente, sempre nervosa e agitada, tentará escapar dessa prisão, para algum tipo de associação. Você não deixa, corta todas as amarras, todos os atalhos, permite somente que sua mente ande numa única direção.
Um cientista, trabalhando em um complexo problema, está em contemplação. Um pintor, desenhando um quadro, está em contemplação. Um universitário estudando química está em contemplação. Neste momento, o mundo todo é suprimido e apenas o cientista e seu trabalho, o pintor e a pintura, o estudante e seus livros permanecem. No decorrer do processo contemplativo, muitas coisas paralelas o atrairão. Não permita que sua mente se distraia ou se desvie. Só permita que ela se mova em uma direção, em uma linha única. Isto é contemplação. Qualquer pensamento lógico é contemplativo. O pensamento comum é louco, solto, absurdo.
A contemplação é lógica, racional.
Já a concentração é permanecer em um só ponto. Não é contemplar, não é pensar. É estar com a mente direcionada em uma única coisa, sem permitir que a mente se mova. No pensamento comum a mente se move como um peixe fora d’água. Na contemplação, a mente louca é direcionada, dirigida. Na concentração, a mente não tem permissão para se mover. No pensamento comum, a mente se move para onde quer. Na contemplação ela se move para um lugar determinado/direcionado. Na concentração, ela não se move, fica estacionada em um único ponto.
Entretanto, na meditação, nenhuma forma de amarra, direcionamento ou focalização é permitida. A meditação é não-mente. Na concentração, a mente tem licença para existir em um ponto único. Na meditação até mesmo esse ponto e retirado, ela situa-se além do pensar e do não pensar. No pensamento comum, todas as direções estão abertas. Na contemplação, apenas uma. Na concentração apenas um ponto está aberto (sem nenhuma direção). Na meditação nada existe, nem a mente, somente o momentum “aqui e agora”. O pensar comum é o estado da mente normal. A meditação é o outro lado da margem, a maior conquista que um homem pode almejar.
Tentemos compreender: o que está acontecendo neste momento em sua mente? Está acontecendo um processo ininterrupto de pensamentos! Se você conseguir diminuir um pouquinho essa pantomima mental, aos poucos, lentamente chegará a não-mente. Mente significa pensamento; não mente significa, naturalmente, não pensamento. Se através da prática assídua, seu processo de pensar, seus pensamentos estiverem se tornando mais densos, enchendo sua cabeça, dificultando sua vida, deixando você distraído, esquecido, então você estará indo à direção contrária da não-mente. Se o processo de pensar torna-se menos denso, se é diminuído, desacelerado, se você está mais alerta, dormindo melhor, lembrando-se das coisas, você está no caminho certo, está dirigindo no caminho da não-mente. Depende somente de você. A mente pode ser um grande auxílio. A mente é aquilo que você estiver fazendo agora. Se você estiver vivenciando a experiência deste exato momento, então você está na não-mente.
Devagar, gradativamente, através do treinamento, você vai diminuindo a quantidade de pensamentos em sua mente. Se apenas um por cento for retirado, sobram noventa e nove por cento de pensamentos. É, como se você estivesse retirando móveis sujos, velhos, quebrados e sem serventia de sua sala revestida com piso de ouro do mais alto quilate e lustres de pedras preciosas. Quando você inicia (com muito trabalho e determinação) a retirar a sujeira de sua sala, começa a aparecer espaço. Quanto mais lixo você retirar, mais espaço você vai ter. Quando após muito esforço conseguir tirar toda a sujeira, a sala se tornará só espaço (vazio). O espaço não foi criado pela retirada dos móveis (leia-se pensamentos) o espaço sempre esteve aí.
Se você retira alguns pensamentos, ou usando uma linguagem mais atual, Quando você deleta alguns arquivos inúteis, o espaço é criado, descoberto, recuperado. Se continuar removendo os pensamentos, aos poucos irá recuperando seu espaço original e acabará vendo a verdadeira face de Deus (Ou como era seu rosto antes de seus pais nascerem). Esse processo chama-se meditação.
A mente é como um grande disquete lotado de arquivos. O que fazemos, é ficar repetindo os mesmos pensamentos todos os dias. Você é como um disco velho (daqueles antigos, arranhados de rotação 68) que fica repetindo todos os dias a mesma coisa, apenas por hábito, por condicionamento, apenas por que você está costumado. Isso não é de todo mal, os velhos hábitos ajudam. Se uma criança está chorando e não consegue dormir, a mãe lhe dá uma chupeta, ela para de chorar e dorme. Então, depois dela dormir, a mãe pode retirar a chupeta. Mas se ela não lhe der a chupeta, ele não dormirá, ou pelo menos demorará muito mais. É um condicionamento, no momento em que a chupeta lhe é dada, um tipo de mecanismo é acionado em sua mente, e a criança se sente confortável e dorme tranqüila.
O mesmo acontece com você. Não se trata mais de uma simples chupeta, mas basicamente, o princípio é o mesmo. Talvez você sinta dificuldade para dormir em um quarto diferente, em uma cama diferente, sem roupas ou com roupas diferentes das que está costumado, usar um banheiro diferente. Na verdade não existe relação entre a maneira de dormir e o sono propriamente dito, mas para sua mente sim. Existe o condicionamento. E, com velhos hábitos você se sente melhor, você se sente confortável, como se estivesse entre amigos. Os mesmos pensamentos todos os dias, a mesma rotina, você sente e acha que está tudo bem.
Afinal, é tudo tão estranho! (tudo muito novo, e ninguém gosta muito de novidade, ninguém gosta de mudar) Você investiu muito nos seus pensamentos, gastou anos acumulando “coisas” em sua mente e agora não se sente bem em joga-las fora. Esse é o grande problema, você é como um mendigo empurrando um caminhão de coisas inúteis. Mas se você tiver coragem, começará a perceber (com muita satisfação) a quantidade de inutilidades que você anda guardando em sua mente e como isso põe você prisioneiro de você mesmo, começará a perceber a alegria do “espaço” e a sentir a beleza que ele contém, a grande satisfação que ele começa a lhe proporcionar.
Recapitulando, (parece até apostila de faculdade) do pensamento comum, passa-se a contemplação, depois, vem a concentração e da concentração a meditação. Movendo-se devagar, você vai percebendo as mudanças dia a dia e quanto mais você percebe, mais compreende o quanto é ridículo continuar carregando o barco nas costas, centenas de quilômetros depois de ter atravessado o lago. Ora, você é um ser humano e não um caramujo então para que ficar guardando pensamentos, coisas que aconteceram anos atrás.
É, o assunto é complicado mesmo. Sempre que tratamos de coisas abstratas, fica muito difícil explica-las à luz da razão e da lógica. Entretanto, ficará bem mais compreensível e fácil de ser entendido com a prática, somente através da experiência da meditação (zazen) é que você conseguirá entender todo o processo associativo que formam os nossos pensamentos. Aí então serás livre para fazer, falar e ser o que quiser.
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