terça-feira, 19 de outubro de 2010

SOBRE A NECESSIDADE DE SE SABER O QUE É O ZEN

SOBRE A NECESSIDADE DE SE SABER O QUE É O ZEN

(Publicado: 15/03/2006 - Por: Getulio Taigen)

Muito se fala em Zen, mas afinal o que é o Zen? Aqui postarei um breve ensaio sobre essa manifestação genuinamente japonesa.

Um monge perguntou:

“— Qual é o significado do Zen?”
O mestre respondeu:
“— Você já tomou o seu café da manhã?”.
Disse o monge:
“— Sim.”
Responde o mestre:
“— Então vá lavar a sua tigela.”

O Zen é uma das mais fecundas e originais tradições espirituais da Humanidade. O Zen, como “ramo” do Budismo, nasce no seio da cultura indiana, no século VI a.C., no momento em que se dá a iluminação de Sidharta Gautama, o Buda Shakyamuni, sob a copa da árvore Bodi. Mas, até sua conformação atual — com ênfase na prática do Zazen (meditação da percepção consciente), estudo do Koan (perguntas que só podem ser respondidas sem o uso do intelecto) e realização do Satori (iluminação) — percorreu-se um longo caminho, desde a Índia, passando pela China, até sua chegada ao Japão e, posteriormente, ao Ocidente.
Mas, afinal, o que é o Zen?
Formular esta pergunta instaura uma dificuldade virtualmente intransponível: o anseio por descrever o Zen, o qual, em essência, não pode ser definido. Parece evidente ser a linguagem o meio pelo qual as idéias são formuladas e comunicadas, mas o Zen adverte não ser possível apenas confiar nas idéias e palavras. Em última análise, a prática Zen destina-se a proporcionar uma experiência direta do real, não intermediada pelas palavras — estas últimas pertencentes ao âmbito da realidade.
Ciente destes obstáculos, tentarei, ainda assim, explicar o que é o Zen, postulando-se uma breve apresentação do Zen, com enfoque, principalmente, nas suas origens, natureza e prática, chegando-se a sua caracterização enquanto lídima afirmação de vida.
Do ponto de vista histórico, o Budismo se inicia com a vida do príncipe Sidharta Gautama. Após anos de existência feliz, nos quais foi protegido, por seu pai Suddhodana, do "deserto do real": dores, doenças, sofrimentos e morte, começou a se sentir inquieto com seus dias e noites, experimentando uma insatisfação que não era capaz de explicar ou de identificar a origem. Optou por abandonar o palácio, secretamente, deparando-se, a seguir, com toda a sorte de misérias e padecimentos, o que aumentou sua angústia. Tornou-se, então, um mendigo errante, renunciando ao cálido regato do lar, deixou sua mulher e seu filho no castelo e à fortuna de seu pai.
Sidharta passou cerca de cinco anos como um asceta, jejuando e mortificando-se na busca pela Verdade. Após muitas provas e privações, chegou à conclusão de que havia perdido tempo em tais práticas. Acossado, ainda, por terríveis dúvidas, o príncipe indiano resolveu que se sentaria debaixo de uma árvore, e dali somente se levantaria após a plena satisfação de suas indagações.
A noite caiu sobre a terra, trazendo as estrelas e a madrugada, sem que nada houvesse ocorrido. Sem embargo, com o irromper da alvorada e a chegada da estrela da manhã, Sidharta, ao mirar esta última, compreendeu, subitamente, que sempre tivera em si a resposta para suas angústias; vida e morte, sofrimento e dor, eram fenômenos transitórios, efêmeros. Houve a Iluminação: morria o príncipe e nascia o iluminado Buda Shakyamuni.
Um dos pontos significativos do despertar de Shakyamuni foi a compreensão de que a impermanência faz com que o homem sinta a vida como um padecimento (esta é a Primeira Nobre Verdade), algo peculiar a todos os humanos capazes de refletir sobre sua condição. Tal foi o ensinamento dado por Buda à mulher que, trazendo seu filho morto nos braços, chorava e se lamuriava pela crueza da própria sorte. Ao ouvir suas queixas, O Desperto prometeu ajudá-la, desde que ela trouxesse uma semente de mostarda obtida em uma casa na qual jamais tivesse havido sofrimento. Após inúmeras e frustradas tentativas, a mulher retorna a Buda, sem a semente, para deste ouvir o seguinte:
Minha irmã, você descobriu
Procurando aquilo que ninguém acha, o bálsamo amargo que eu tinha que lhe dar. Aquele que você amou caiu morto no seu peito ontem; hoje você sabe que o mundo inteiro chora com a tristeza da morte.
Após a Iluminação, Buda Shakyamuni passou a ensinar o Dharma (doutrina budista), perpetuado através de 28 gerações até Bodhidharma, que chegou à China em 520 d.C, fundando a escola Ch’an e tornando-se o primeiro Patriarca do Zen.
A chegada de Bodhidharma às terras chinesas deu-se em um momento no qual já haviam escolas budistas naquele país. O indiano foi saudado como um Sábio por diferentes autoridades, como o Imperador Wu, durante recepção em seu palácio. Conta-se que, durante uma entrevista, o Imperador teria perguntado a Bodhidharma:
“Tenho construído muitos templos, copiado inúmeros Sutras (escrituras budistas) e ordenado muitos monges, desde que me tornei Imperador. Portanto, pergunto-lhe: qual é o meu mérito?”
“Nenhum!”, respondeu Bodhidharma. O Imperador insistiu: “Por que não tenho mérito?”
Bodhidharma replicou: “Fazer as coisas para obter mérito tem um motivo impuro e só revelará o fruto mesquinho do sofrimento.”
O Imperador, um tanto aborrecido, então perguntou:
Qual é o princípio mais importante do Budismo?”
Ao que Bodhidharma respondeu: “Um grande e vasto vazio. Nada sagrado.”
O Imperador, agora confuso e bastante indignado, inquiriu:
“Quem é este que está diante de mim?”
Bodhidharma falou: “Não faço a menor idéia.”
As interseções estabelecidas entre o Budismo hindu e o pensamento chinês, sobretudo o Taoísmo, foram bastante fecundas, permitindo o "nascimento" do Zen, o qual tem como "marca" a recuperação da simplicidade originária dos ensinamentos de Shakyamuni, em oposição à eloqüência típica adquirida pelo Budismo na Índia.
O treinamento forjado por Bodhidharma foi difundido por várias gerações subseqüentes, produzindo grandes mestres Zen, como Sengstan (Terceiro Patriarca), Hung-Jen (Quinto Patriarca), Hui-Neng (Sexto Patriarca), Joshu e Nansen.
A passagem do Ch’an ao Japão se deu nos princípios do segundo milênio d.C., a partir das duas principais escolas subsistentes na China: uma que traçou sua linhagem de Hui-Neng, o Sexto Patriarca, até Lin-Chi e outra conhecida como Escola de Ts’ao-tung. Passam a ser conhecidas, no Japão, como Rinzai e Soto, respectivamente, tendo sido introduzidas por Eisai (1141-1215, a Rinzai Zen) e Eihei Dogen Kigen (1200-1253, a Soto Zen).
O Rinzai Zen utiliza o koan, palavra ou frase destituída de sentido, em termos lógicos, de modo bastante fecundo, para deflagrar a interrupção do fluxo corriqueiro do pensamento, com vistas à elevação da mente do aluno para além da dualidade. Os koans são produzidos para impedir os acessos à racionalização, podendo-se citar como exemplos:
“Qual é o significado da vida em face da doença, velhice e morte inevitáveis?”
“Duas mãos produzem um ruído de palmas. Qual será o ruído produzido por uma mão?”
“Qual era sua Face Original antes de seus pais nascerem?”
“Do topo de um mastro de 35 metros de altura, como você dá um passo para frente?”
A escola Zen Rinzai tornou-se bastante difundida entre os samurais, chegando a se constituir em um sistema nativo do “Guerreiro Zen”.
Em relação a escola Zen Soto, este concede ênfase ao zazen, a meditação sentada, dentro de uma perspectiva de que todos são essencialmente Budas, desde o início da prática. Neste âmbito, deve-se adotar uma atitude de não-busca como diretriz para a prática do Zen, na medida em que o sentar, aqui e agora, é já uma realização da Iluminação. Ao contrário do ocorrido com o Rinzai, o Soto não se envolveu nas questões políticas nos anos seguintes ao seu nascimento, o que se deve, em grande medida, à postura adotada por Dogen.
Uma “síntese” destas escolas foi encetada, ulteriormente, por Daiun Sogeku Harada (1872-1963), oriundo da tradição Soto e que recebeu treinamento Rinzai com o mestre Dokutan. Seu discípulo, Yasutani, teve profunda influência no desenvolvimento do Zen no Ocidente, o qual é marcado, em muitos dos seus núcleos, pela utilização de ambos os métodos de ensino.
A introdução do Zen na Europa e na América ocorreu a partir do final do século XIX e início do século XX, especialmente a partir dos trabalhos do Prof. Daisetz T. Suzuki. Seguiram-se, ao consagrado autor, os trabalhos de Alan Watts, Christmas Humphryes e Philip Kapleau, os quais contribuíram para uma difusão maior do Zen no âmago da Cultura Ocidental.
A despeito da permeabilidade européia e americana ao Zen, a integração desta tradição ao modo de vida do Oeste não tem sido simples de ser alcançada. De fato, o dilema vivido pelo “Zen ocidental” tem origem na profunda intelectualização e na lógica, encarnadas, ao longo dos mais de três mil anos de História, desde o alvorecer da cultura grega. Neste aspecto, as palavras de C. Humphreys são bastante ilustrativas:
[...] o budismo do Ocidente diferirá ainda mais do oriental do que diferem entre si, por exemplo, o budismo cingalês e o tibetano. O enfoque oriental da Verdade é, conforme prova Lily Abegg em The Mind of East Asia, total e intuitivo; o do Ocidente é analítico, sintético e acima de tudo intelectual. O seu ponto de partida é o pretensioso enfoque “científico” dos fenômenos, quer objetivos, quer mentais. Caminha-se do particular para o geral, da matéria visível para a hipótese intelectual; acredita-se em não acreditar até que seja necessário. Segue-se que um budismo ocidental bem definido tem que surgir na ocasião oportuna, não deixando de ser budismo autêntico apenas por ser ocidental. O mesmo pode se dizer do Zen. O objetivo do Zen-budismo é o enfoque direto da Não-dualidade e nada menos que isso. Tudo o mais é secundário, inclusive a moralidade, a doutrina e o ritual de todo e qualquer tipo. O Zen-budismo nasceu na China, passou depois para o Japão e hoje em dia é associado à cultura entre as pessoas mais cultas. Presentemente os japoneses oferecem ao Ocidente a história, a doutrina, a teoria e a prática do Zen na vida cotidiana, bem como o relato dos seus sucessos. [Mas] será o Zen tão intelectualizado no Ocidente, não apenas em termos de enfoque, como também ao ser achada a coisa, que por esplêndido que seja não chegará a ser Zen?
O Zen, como escola budista, inscreve-se no coração dos ensinamentos de Shakyamuni, reconhecendo os Três Tesouros, aceitando as Quatro Nobres Verdades, também chamadas de Quatro Verdades Maravilhosas e seguindo o Nobre Caminho Óctuplo.
As Três Jóias são o abrigo do homem pela jornada da existência:
Eu me refugio no Buda, aquele que me mostra o caminho nesta vida.
Eu me refugio no Dharma, o caminho da compreensão.
Eu me refugio na Sangha, A comunidade que vive com consciência e harmonia.
As Quatro Nobres verdades são:
Primeira Nobre Verdade – o sofrimento: vida é sentida como padecimento, em conseqüência de sua impermanência.
Segunda Nobre Verdade – as causas (ou origens) do sofrimento: o desejo de que a vida seja diferente.
Terceira Nobre Verdade – a cessação da produção de sofrimento: evitar o desejo possibilita deixar de padecer.
Quarta Nobre Verdade – a vereda para alcançar a suspensão do sofrimento: deixar de desejar pressupõe que se siga o Nobre Caminho Óctuplo.
O Nobre Caminho Óctuplo recomenda que se observe e pratique:
A compreensão correta, antes de mais nada um profundo entendimento das Quatro Nobres Verdades, o sofrimento, sua origem, a possibilidade e o caminho de transformação, possibilitando que se desenvolva, a seguir, o pensamento correto, aquele que faz com que se possa enxergar as coisas como elas são, pressuposto para que se articule o discurso correto, o qual inclui (1) falar sempre a verdade, (2) não falar deliberadamente de forma contraditória, (3) não falar com crueldade e (4) não exagerar nem retocar os fatos; tais pressupostos, uma vez seguidos, desencadeiam a ação correta, aquela que é capaz de produzir o menor sofrimento possível, enraizada na prática diuturna da não-violência e alimentada pela alegria, facultando que se adote, O meio de vida correto, uma representação do Karma coletivo, que passa pelo reconhecimento de que as disposições e ações de uma pessoa afetam todos os seres vivos, ou seja, a compreensão da interdependência de todas as coisas, capaz de desabrochar em o esforço correto, que integra a adoção de formações mentais saudáveis e a prática de viver consciente de modo alegre e prazeiroso, levando a atenção correta, o constante lembrar de voltar ao presente, estando em íntimo contato com o mundo da vida, o verde das montanhas, o sabor do mel, o odor das flores, a suavidade da brisa, o marulhar das ondas, passo decisivo para se atingir, a concentração correta, o amplo e irrestrito cultivo de uma vida em atenção plena, genuíno reconhecimento da verdadeira morada da mente.
Tal é o caminho. Mas não se pode olvidar, entretanto, que este, sem caminhante, seja simplesmente estéril, como ilustrado por Shizuteru Ueda:
[...] Um caminho é realmente um caminho somente para quem o percorre. Este caminho do eu é importante apenas para quem há sofrido em seu ego encerrado em si e a despeito de todos os esforços não há logrado libertar-se de seu “eu sem eu”.
Ambos — caminho e caminhante —, na prática do Zen, bem como na prática do Karate, devem se tornar um e o mesmo, desaparecendo enquanto dualidade. A Três Jóias, As Quatro Nobres Verdades, e o Caminho Óctuplo são formas para se caracterizar a Verdade mais pura do Zen, mas não algo que possa ser memorizado ou elaborado de forma meramente intelectual; tampouco, devem ser motivo de apego, como bem caracterizado por D. T. Suzuki, ao narrar a história da conferência entre Doko (Tao-kwang), filósofo budista e estudioso do Vijnaptimatra (idealismo absoluto), e um mestre Zen:
“— Com que enquadramento mental deve o indivíduo disciplinar-se para alcançar a verdade?”
Respondeu o mestre Zen: “— Não há uma mente a ser disciplinada, nem verdade na qual nos disciplinemos”.
“— Se não há nenhuma mente a ser enquadrada e nenhuma verdade na qual nos disciplinemos, por que diariamente vos reunis aos monges? Se não tenho língua, como será possível aconselhar os outros a virem até a mim?”
O mestre replicou: “— Eu não possuo nem uma polegada de espaço para ceder, portanto onde posso conseguir uma reunião de monges? Não possuo língua, como podeis aconselhar os outros a virem a mim?”
O filósofo então exclamou: “— Como podereis proferir uma mentira dessas em minha cara?”
“Se não tenho língua para aconselhar os outros como é possível pregar uma mentira?”
Desesperado, disse Doko: “— Não posso seguir o vosso raciocínio”.
“Nem eu mesmo compreendo”, concluiu o mestre Zen, rindo ruidosamente.
Este diálogo aparente ilógico, na verdade o Zen está para além da lógica usual, expressa a postura Zen de não se prestar atenção às representações (geralmente preconcebidas e deformadas), mas sim às coisas mesmas, de forma simples, original e livre. Tal compreensão pura e diáfana de que as montanhas são simplesmente azuis, representa a aquisição de um novo ponto de vista, o Satori (Iluminação)caracterizado por D. T. Suzuki como “um olhar intuitivo no âmago das coisas”.
O Satori (a Iluminação) é algo verdadeiramente para além das palavras. Mas, alguns mestres Zen, embebidos em profunda sabedoria, são capazes de verter, na linguagem, as imagens de compreensão da Natureza Essencial:
Iluminação significa ver através da sua própria natureza essencial e isto, ao mesmo tempo, significa ver através da natureza essencial do cosmo e de todas as coisas. Pois, ver através da natureza essencial é a janela da iluminação. Podemos chamar a natureza essencial de verdade, se assim quisermos. No Budismo dos tempos antigos, foi chamada de talidade, ou natureza de Buda ou a mente. No Zen, tem sido chamada de não-existência, a mão, a face original de alguém. As designações podem ser diferentes, mas o conteúdo é absolutamente o mesmo.

Como visto, a ‘meta’ do Zen é a realização da Iluminação, a visão das coisas mesmas, como elas são, de modo pleno e profundo. Mas, como já mencionado, para que haja Satori é necessário muito mais do que o estudo aprofundado dos textos do Cânone Budista e de sua exegese: é preciso praticar, é preciso expressar o Zen, manifestando-se em si a mais íntima natureza búdica.
Em essência, a prática do Zen pode ser definida de várias maneiras, apenas senta, como caracterizado pela Escola Soto, ou pela expressão pura e despojada das artes marcias, treinadas sem objetivo, que não o de apenas treinar. Assim, apenas sentar-se em Zazen deve se constituir no dia-a-dia do zen-budista, de tal maneira que o treinar deva ser o dia-a-dia do praticante de karate.
Em relação ao Zazen, é importante ter um adequado lugar para sentar, um horário e uma adequada postura, nos seguintes termos:
Onde sentar?
Em um lugar tranqüilo, sempre que possível o mesmo, para que o hábito possa facilitar a realização de zazen, com temperatura amena e luminosidade satisfatória (nem demasiado claro, mas tampouco escuro). Pode-se montar um pequeno altar e colocar um vaso de flores e uma figura ou imagem, de Buda, por exemplo, e acender um incenso a cada vez em que se for praticar, ainda que estes detalhes sejam dispensáveis.
Quando sentar?
Quando sentar en Zen (Zazen)?
O ideal é que o zazen seja realizado sempre em um mesmo horário, preferencialmente pela manhã, ao meio-dia ou ao deitar. O número de sessões vai depender da disponibilidade e do treinamento do praticante, bem como da duração do zazen (recomenda-se que, no princípio, ele transcorra por 10 a 15 minutos, chegando-se, tão logo seja possível, a 30 minutos).
Como se sentar em Zen (zazen)?
Diferentes são as posturas que podem ser adotadas, (1) sentado em um banco ou em uma cadeira, (2) posição de seiza, (3) posição birmanesa, (4) meio-lótus e (5) lótus completo, mas em todas, o importante é manter o corpo perfeitamente ereto, estando o centro da testa, o nariz, o queixo, a garganta e o umbigo em perfeito alinhamento. O ideal é que o peso do corpo, durante o zazen, possa estar dirigido ao baixo ventre, área que deverá ser o foco da respiração e da concentração em todo o processo. Deve-se se sentar, preferencialmente, sobre o zafu (almofada redonda de meditação), em frente a uma parede vazia, mantendo os olhos semi-cerrados (aproximadamente em 45 graus) e o centro do olhar para cerca de um metro e meio de vc. As mãos devem ser colocadas na posição de mudra cósmico (a mão esquerda sobre direita, as palmas voltadas para cima, com os polegares se tocando de modo a formar uma linha paralela com os demais dedos) e a língua tocando o palato superior (início dos dentes de cima).
O que fazer ao se sentar em Zen (Zazen)?
Contar a respiração. Inicialmente a inspiração e a expiração (um para a “inspiração”, dois para a “expiração”, três para a “inspiração”, e assim sucessivamente), até dez, reiniciando o ciclo a cada vez. Se durante a contagem houver distração com algum(ns) pensamento(s), reinicie a contagem novamente do um. Pensamentos surgirão, incômodos igualmente (dormências, dores musculares, e outros), mas deve-se tentar apenas observá-los, sem procurar controlá-los ou julgá-los.
Durante o zazen costumam ser intensas as sensações e vivências, como explanado pela minha professora do Zen - Monja Coen:
Tendo assim assentado corpo e mente perceba sua respiração. Sinta se está sendo abdominal (ao inalar o abdômen se expande ao exalar se contrai) ou torácica (a caixa torácica se expande e se contrai). Perceba seus batimentos cardíacos. Ouça todos os sons, próximos e distantes. Sinta as fragrâncias da sala, do local (pode ser ao ar livre). Perceba o ar, sua textura, sua temperatura. A luz e a sombra que se formam onde seus olhos estão pousados são também percebidas. Verifique sua postura, a posição das mãos, da coluna, da língua e oxigene áreas de tensão. Perceba seus pensamentos. Como se formam, como desaparecem. Veja se pensa em formas, palavras, música, cores, imagens. Qualquer emoção que surja deve ser notada. Assim como seu término. O mesmo para memórias. Entretanto não fique pensando apenas, nem apenas percebendo, pois isto ainda está no plano da dualidade. Torne-se um com o uno sendo a respiração, a postura correta e a vida do universo em constante fluir.
costuma emergir nos principiantes. Nestes termos, torna-se fundamental a busca de instrução com um mestre ou professor do Zen, o qual fornecerá preciosas indicações sobre o zazen e os demais aspectos genuínos para uma vida plenamente Zen.
Os caminhos do Zazen (meditação da percepção consciente, meditação Zen)
Praticar o Zen é tornar-se íntimo da Natureza Essencial, a qual inclui, sem se opor, o ego, convergência de pensamentos, desejos e impressões, ponto cego, adimensional, com o qual o homem se identifica. Não faz parte do Zen a busca pela “extirpação” do ego, (a)dimensão importante no relacionamento com o mundo, mas sim a compreensão profunda de que ele é apenas um aspecto da consciência.
O ego, manifesto em uma torrente de pensamentos, não é a fronteira última do ser, sendo transcendido e compreendido no momento em que há Iluminação, a partir da vivência do Vazio:
Este espaço, também chamado “vazio” (Kara em japones e Shunyata em Pali, não é um mero vácuo, mas é real, pleno e existente. É a fonte da qual todas as coisas emanam e para qual retornam. Não pode ser visto, tocado ou conhecido e, no entanto, existe como “Eu” e está sendo livremente usado por cada um de nós, a cada momento das 24 horas do dia. Não tem contornos, nem tamanho, nem cor, nem forma e, entretanto, tudo que vemos, ouvimos e tocamos é “ele”.
Está além do nosso conhecimento intelectual e nunca será realizado pela mente racional.
Em outras palavras, está absolutamente fora do nosso alcance. Quando somos subitamente acordados e compreendemos claramente que não existem nem nunca existiram barreiras, compreendemos que somos todos uma coisa só: montanhas, lua, estrelas, universo, somos todos o si mesmo. Não existe uma divisão ou barreira entre o si mesmo e os outros, não há mais quaisquer sentimentos de alienação, medo, ciúme ou ódio pelos outros, pois já se sabe e está comprovada a evidente realidade de que não existe nada separado do si mesmo e, portanto, nada a temer. Esta compreensão naturalmente resulta na “verdadeira compaixão”. As pessoas e coisas não são mais vistas como separadas, mas como o próprio corpo.
Após está breve exposição, podem restar grandes dúvidas sobre a possibilidade de se manifestar plenamente, em pensamentos, palavras e ações, uma vida Zen. Na verdade, o “aparente”, e ilusório, niilismo do Zen refere-se mais a tentativa de compreensão intelectual de sua Verdade, do que a sua inscrição na tessitura geral da vida.
As dificuldades se tornam extremas, na medida em que se pretende o encarceramento da maravilhosa explosão de cores e fragrâncias intrínsecas à existência, a um ‘amontoado’ de sentenças subservientes ao dualismo lógico característico do intelecto. Assim, em um primeiro momento, o poema de Shan-hui (497-469) é capaz de soar como um imenso absurdo:
Observai a pá nas minhas mãos vazias;
Enquanto montado num touro vou andando a pé.
Quando passo sobre a ponte não é a água que corre, e sim a ponte.
Mas, uma apreciação austera deste, e de outros, irracionalismos, é capaz de conduzir à descoberta de um ponto de vista inteiramente díspar, que se inscreve em uma veemente afirmação da vida tal qual esta se apresenta, em sua beleza e plenitude, como tão belamente expresso por C.Humphreys:
Seja onde for que more o estudante do Zen, seu objetivo na vida é intensificar a qualidade de viver, tão diferente de seu sistema devida, quão diferente é sua riqueza espiritual da riqueza material. Ele viverá de maneira simples, porque não existe atração pelas complexidades da vida. Será pobre, porque suas riquezas não são vistas pelo olho mortal. Será alegre, porque a alegria que é o coração do Zen nunca pode ser escondida e, como o perfume da rosa, viajará longe, carregado pela brisa do dia claro ou da noite escura.
Enxergar, ver, é manifestar a sabedoria, em dias e noites, sob a copa das árvores ou liberto nas gotas de chuva, e reconhecer a inseparabilidade de todas as coisas, interdependentes, compreensão seminal à manifestação de uma existência plena em compaixão.

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